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A guerra ideal

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Atravessando o enorme descampado, metralhadoras às costas, granadas à cinta, canhões e misseis atrás e à frente, vão os membros dos dois governos. 

É um descampado enormíssimo. Caberiam nele uns dez estádios de futebol.

O descampado tem a forma de um retângulo e está dividido em toda a volta por uma linha de vinte centímetros de espessura, pintada em vermelho.

Ao meio, está dividido por uma outra linha com a mesma espessura, mas pintada em branco. 

De um lado desta linha branca, está todo o governo de Israel. Ministros, secretários de estado, generais, e o comandante em chefe, o primeiro-ministro.

Do outro lado da linha, todos os membros do governo da Palestina, incluindo generais, e o comandante em chefe, o primeiro-ministro.

Tanto num lado como no outro, não há civis ou soldados, a não ser os generais, tal como já aqui afirmamos.

Fora das linhas vermelhas do descampado ficam, Israel e a Palestina. É que, na guerra ideal, a batalha dá-se em terreno neutro, ou seja, no desacampado que tem uma dimensão grande o suficiente para lá caberem dez estádios de futebol.

Cada um destes heróis, seja de um ou outro lado, está prestes a iniciar uma guerra, dentro das linhas deste enorme descampado, guerra essa, em nome dos ideais, pelas justificadas razões, que tanto de um lado como do outro, acreditam ser dignos do sacrifício sanguíneo que, está prestes a ser derramado.

Mas, o que doi mais, é constatar que, fora das linhas vermelhas que marcam o descampado, todas as outras pessoas civis, crianças, mulheres e homens, nenhum deles parece dar o verdadeiro valor, ou mesmo se parecem importar com o sacrifício que estes homens e algumas mulheres, estão prestes a fazer.

-Quem dispara o primeiro tiro?

Um dos generais pergunta.

– Não vamos correr uma maratona.

O burburinho que se cria, antes de começar qualquer evento, não deu para descortinar quem proferiu estas palavras.

É que, todos falam entre si e todos se querem fazer ouvir, por isso, quanto mais se tenta passar a mensagem ao próximo, mais se vai aumentando o volume da voz, e quanto mais se aumenta o volume, menos se percebe a mensagem.

No entanto, o que está aqui para acontecer, seja qual for o resultado da batalha, a guerra em si, não é menos do que uma enorme tragédia.

Falamos de um descampado onde estes homens, e algumas mulheres, se vão enfrentar de maneira feroz e sanguinária.

Os canhões, os misseis, as granadas, as metralhadoras, tudo, mesmo tudo, está alinhado para se dar início à batalha.

Não há escudos que possam proteger, não há muros, barreiras, buracos…não há nada que estes pobres coitados possam usar para se defenderem, a não ser, atacar, atacar, atacar.

E… acredite-se ou não, fora das linhas vermelhas, onde este autêntico festival de sangue, dor, terror, sofrimento, está prestes a começar, ninguém dá o verdadeiro valor ao sacrifício que estes responsáveis pelos destinos dos seus respetivos países, estão prontos a aceitar como único meio de resolver as suas diferenças. 

Veja-se bem o desplante desta gente.

Enquanto os pobres coitados estão dentro das linhas vermelhas do descampado, a lutar pelos interesses e ideais da população, essa mesma população ingrata, anda aqui como se nada fosse.

Os jardins públicos estão repletos de famílias que passeiam descontraidamente, em alguns casos até, de mãos dadas, como se nada de catastrófico se esteja a passar.

– Shalom Adonai.

Não era nada estranho ouvir.

– Alaikum As Salaam.

Ouvia-se por vezes, como resposta.

Os parques infantis estão cheios de crianças barulhentas, que riem às gargalhadas, gritam de alegria, transbordam de felicidade.

Agora mesmo disputa-se um jogo de futebol entre a rapaziada.

De um lado, os rapazes de uma escola de Tel Aviv, e do outro lado, os rapazes de uma escola de Gaza.

Estão tão excitadíssimos pelo jogo que estão a defrontar, que nenhum deles, por um único momento que fosse, se lembrou destes homens que, dentro das linhas vermelhas do descampado, se debatem numa carnificina que vai deixar marcas, físicas e psicológicas, para aqueles que ficarem com vida. Vida? Mas que vida será essa?

Não, estes rapazes, apertaram as mãos num cumprimento de cordialidade, trocaram galhardetes entre si… e pronto, vamos lá começar o jogo.

Que tipo de gente é esta que não tem um pingo de consideração, por aqueles que entregam as suas vidas ao sacrifício cruel e desumano de uma guerra?

Gente comum, gente normal que apenas quer viver a sua vida em paz e harmonia, que apenas quer disfrutar da vida nos seus termos, com as suas alegrias e as suas frustrações, mas simplesmente em paz uns com os outros, sem se importarem com o sacrifício que os responsáveis dos seus respetivos governos estão prestes a iniciar.

Mas… se é certo que como seres-humanos que somos, com mais semelhanças do que diferenças, guerra nunca deveria existir, também é certo de que como seres-humanos que somos, viver sem guerra parece ser uma autêntica miragem.

Por isso, esta seria a guerra ideal. Feita entre aqueles que a provocam, deixando em paz os que dela são sempre as inocentes vítimas. 

António Magalhães

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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