Construímos muros ao redor das nossas casas.
Em casa não coloquiamos porque estamos com o nosso aparelho que nos permite socializar, virtualmente, sem que saibamos bem com quem e de onde é.
Mas não são apenas os mais novos. Os filhos. São também os menos novos. Eventualmente os pais.
Vemos à beça uma família – quantas vezes apenas namorados, que seria de supor estarem exactamente a namorar, – sentarem-se a uma mesa numa casa de restauração, cada qual curvado para o seu aparelho.
Há dias, na minha cidade, um cidadão comum – pareceu-me – atravessa a passadeira completamente absorto, sem olhar, sem alguma atenção. – O leitor faça de conta que está a ver…
O local estava muito pouco visível por mor de uma fila enorme de automóveis estacionados em local não permitido e por isso dificultavam a visão.
Como eu que tenho um “medo que me pélo” de uma passadeira, quer como peão, quer como automobilista, não sei o que seria se não fosse com mais cuidados.
Já se não constrói uma casa – vivenda – ainda que mais fidalga que “antigamente”, sem os confinantes muros a impedir a visão para o interior.
Antes, a casa construída com enormes sacrifícios, tinha a vedação de modo que se pudesse cá de fora apreciar o edifício.
Sei que hoje os tempos são outros. Por questões de segurança, de privacidade, exige-se maiores rigores. Mas não deixa de ser uma realidade dos tempos por mor dos olhos pidescos – como diria um amigo, que controlam tudo.
Eu mesmo – oh! pudesse eu… digo muitas vezes: tomara eu ter uma casa localizada no meio de um montado, e imagino a casa que foi do doutor do Sobrado*, só que bem mais protegida. Até porque hoje com a tecnologia, de casa, bem no meio do arvoredo, poderia ver e abrir, se fosse o caso, a quem “batesse” à porta.
Oh! pudesse eu… Mas isso sou eu.
Hoje – isto de hoje, é retórica (mas calha sempre bem!) – no apartamento, dizemos nada junto do vizinho que também vai no ascensor.
No Facebook, nas demais redes sociais, cada vez mais vocacionadas para diversos propósitos – sejam imagem ou outras exposições, escancaramos tudo.
Toda a amizade por aqui é celestial, bem como, assim, felizes, bondosos, bonitos e bem formados.
Expomos o corpo, partes exuberantes, entumescidas. Que nada têm de despudor. Só que viajam o mundo todo à velocidade da luz e eternizam-se.
Na rua, se nos cruzassemos com uma dessas pessoas, já se não dá um olá ou pequena vénia. Temos vergonha de cada uma das partes. É incrível e risível de pudor.
* A casa do doutor do Sobrado é um solar que foi duma figura mitíca da minha terra, situada exactamente num meio de um monte que lhe pertencia, ao redor, só que o acesso estava aberto. O doutor do Sobrado, já aqui foi evocado por mim, e tenciono voltar a ele.
(Não pratico deliberadamente o chamado Acordo Ortográfico).