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Poder (segundo capítulo)

Chegado a Coimbra, nem passou pelo apartamento. Dirigiu-se de imediato à enorme casa do Gonçalo em Celas. Não estava, confirmou Paloma Herédia, governante da mansão que era também mãe em dias de ressaca. Simpática, bonacheirona, excelente cozinheira, de ascendência catalã, só a irritavam quando se referiam a ela como sendo espanhola. Vivia numa casa pequena ao fundo do jardim, já depois da piscina e do campo de ténis. É uma forma de garantir que vivem de forma independente. Há uma saída do jardim para a rua de onde, de manhã cedo sai à rua para tomar um café e efectuar as compras para a casa. É impressionante como apesar de viver em Portugal há dez anos, continua a falar com as pessoas em catalão preferencialmente. A contragosto comunica também em castelhano.

Também trabalhava naquela casa o mexicano Pablo Hernandez. Pablo é responsável pelos carros do Gonçalo, pequenos serviços de conservação da casa e também serviço externo. Baixo, magro, com um bigode muito arisco a fazer lembrar o Speed Gonzalez. Vive no Pinhal de Marrocos com uma rapariga de Barcelos, cozinheira num restaurante da Praça do Comércio.

Paloma e Pablo, nem se dão bem nem mal, limitam-se a Paloma dar ordens e Pablo obedecer.

No entanto, nutria por José Santos e um “o Menino Gonçalo não está” não chegava. Confessou-lhe que Gonçalo Maria tinha ido para o estrangeiro numa viagem urgente tratar de um assunto, mas que no dia seguinte estaria de novo em Coimbra.

Perguntou-lhe se queria que levasse a casa. José Silva, agradeceu mas gosta de passear um pouco a pé e que de Celas até ao bairro Norton de Matos é sempre a descer.

Já era noite e mentalmente, definiu um trajecto para se deslocar para o apartamento passando por algumas cervejarias de referência. Uma imperial no Trianon, outra no Avenida. Andar um pouco mas a descer forte e beber mais um “fino” no Velha Academia na Solum. Já perto de casa e para descanso do guerreiro, comeria um bitoque no Mónaco, regado com duas cervejas.

José é muito metódico. “Discrição, reserva e bom senso” são o lema de um bom detective, confessava ele. Por isso não bebia mais do que duas cervejas num dia numa cervejaria. Pensa ele que bebendo mais do que duas, poderá alvo de comentários maldosos por parte de certos utentes que lhe poderão estragar a reputação e o negócio. Pelo mesmo motivo, nunca bebeu uma caneca de cerveja em público.

Gosta de beber em cervejarias para ver gente, para se sentir acompanhado mesmo que não falem com ele. Escolhe a mesa mais distante e mais ao canto e fica a olhar discretamente para a alegria e embora não os conheça, sente-se integrado. Encontra algumas vezes pessoas conhecidas, mas basta-lhe um cumprimento de circunstância para sentir que existe e que os outros estão vivos.

Porém, evita a regularidade, prefere o aleatório nas cervejarias, pois, não aprecie que digam que ele é cliente habitual. Sente-se bem assim, como se existir fosse um favor que os outros lhe fazem.

A televisão, em casa, também é uma boa companhia. Mas prefere a rádio. Quando está mais irritado, telefona, devidamente anónimo, para a “Antena Aberta” ou “Fórum TSF” a insultar políticos, médicos, mecânicos de automóveis, professores e agentes futebolísticos. É um expiar de raiva que o alivia.

Mete-se a caminho, nota que há mais policiamento na rua e menos gente. Os próprios estudantes universitários circulam em grupo. Certamente será o receio do tarado que assassinou à facada três comerciantes da Baixa e locais e circunstâncias diferentes. Assim, mais vigiado também se sentia mais seguro.

Cinco cervejas depois, chega a casa, despe-se com o cuidado de não engelhar as calças. Veste o pijama e telefona a Alice. Quer saber se está tudo bem com ela, como estão os filhos e se está tudo a correr bem no novo emprego. Que tem saudade de um cafezinho. Na verdade, pouco lhe interessa a Alice, os filhos e o emprego dela. Não tem família a não ser uns primos em França que apenas viu uma vez numa festa de família, não tem muitos amigos e está farto da Alice. Nem sabe porque ainda se agarram a essa relação. Ainda para mais, ela lamenta-se do anterior emprego e da parva da Zulmira, enquanto estão a fazer amor.

Acorda com o telefonema de Gonçalo Maria a rir-se:
– Acorda dorminhoco. Detective de merda. Preciso que faças um favor aqui ao Gonçalo. Estou a falar no gozo mas o assunto é sério. Vem cá a casa assim que possas.
Disse-lhe que ia mas com calma. Primeiro tinha que acordar, tomar um duche sair para comprar pão para o pequeno-almoço.

– Tomas o pequeno-almoço aqui. O Pablo já deve estar a chegar a tua casa para te trazer. Saiu há cinco minutos.

Tomou um duche rápido, vestiu-se à pressa, não podia negar o que quer que fosse a Gonçalo. Estava a lavar os dentes e ouvir a buzina do carro que Pablo conduzia a chamá-lo.

E lá foram. Pablo como bom mexicano, tem uma certa animosidade com os outros enquanto conduz, parece um lisboeta, mas com muito menos buzina e mais daltónico, pelo menos no que se refere aos semáforos e passadeiras.

Chegaram vivos e com saúde à mansão de Celas. José Santos era da casa e encaminharam-no para a sala que ele bem conhecia. Estava à espera e intrigado com o facto de “tanta pressa e agora não aparece”.

Entra um vulto na sala, vestido negro um pouco acima do joelho, de alças e descalça, linda de morrer. Cabelo comprido negro e escorrido, corpo perfeito.

– Hola!

José respondeu tropegamente e engasgado sem dizer nada! O vulto desapareceu da mesma forma que apareceu: subitamente.

José Santos ainda se deliciava com o delicioso cheiro que ficou na sala, quando apareceu Gonçalo Maria em robe.

– É muito bonita não é? Parece a Sófia Vergara.

José confessou que sim, muito bonita, um verdadeiro pecado e indagou Gonçalo se era namorada nova.

– Não. É uma amiga de longa data. Irmã mais nova do Pablo. Foi ela que me pediu para dar um emprego ao Pablo na Europa. Foi modelo bem-sucedido no México, agora é minha sócia numa fábrica de roupa para criança. Veio até cá para conhecer Portugal e visitar o irmão. Mas vamos trabalhar. Vou fechar a porta para a Paloma e a Eva não entrarem.
Eva era o nome da diva, mas José resolveu mostrar-se um pouco indiferente à beleza feminina como se tal, fosse uma questão menor.

– Se não actuarmos, poderemos ter em breve um quarto antigo comerciante da Baixa assassinado. O pai do Alexandre Teixeira, nosso colega de turma no Ciclo Eugénio de Castro.
José Santos lamentou. Apesar de tudo nunca gostou do Alexandre Teixeira e considerava o pai dele, o Albino Teixeira, um careiro, mal disposto e arrogante com os funcionários. No entanto não lhe deseja a morte e está disposto a ajudar no que for necessário.

– O Alexandre veio há dois dias falar comigo muito aflito. O pai tinha desaparecido sem deixar rasto! No dia seguinte recebeu em casa uma carta por “Correio Azul” exigindo um resgate no valor de 99.999,99€. Não se pode avisar a polícia ou quem quer que seja. O valor tem que ser entregue por um emissário nosso na Mata de Vale de Canas, na zona de piqueniques, depois de amanhã às 22.30h. O Alexandre só consegue arranjar de forma imediata 40.000€ e pediu-me um empréstimo do restante. Por isso fui ao estrangeiro levantar dinheiro porque um valor elevado em notas, aqui em Portugal, fica registado no Banco de Portugal e Finanças.

José Santos engraçou com o valor do resgate e afirmou que o raptor deve trabalhar num hipermercado, insinuando que poderia contribuir com 0,99€. Só não entendia qual o papel dele nesta situação.

– Vais ser o emissário. Há um certo risco, eu não posso ser porque tenho imensas responsabilidades. O Alexandre, coitado, tem mulher e filhos.

O detective insinuou, ironicamente, que por ser mais pobre, órfão e sem família, poderia ser o sacrificado, que grande mal ao mundo viria.

– Para além disso, és o único que de todos nós, entende alguma coisa de detecção e com facilidade, poderás seguir o rasto e apanhar os raptores. Além disso, temos obrigações com esta cidade que nos viu nascer, que nos educou e instruiu, que nos fez felizes.

Nesse aspecto, José deu-lhe razão, só que não entendia porque é que teria que colocar a vida em risco, por causa de dois fulanos que detesta, que sempre o desconsideram.

– Tens que colocar esses rancores de lado. Coimbra está acima de tudo, temos as nossas obrigações para com a cidade. Além de mais, como vais ter despesas e dedicação a tempo inteiro estou disposto a pagar mensalmente, pela captura dos raptores e assassino, 3.000€ com uso de carro.
José Silva garantiu que não era uma questão de dinheiro, que por ele até fazia o serviço gratuitamente e as despesas seriam por conta dele.

– Se assim queres, combinado, fazes à borla.

O detective então afirmou que por mais que lhe desse satisfação, não o poderia fazer, que seria considerado uma falta de ética com os colegas de profissão. Por 3.500€ mensais acrescidas de ajudas de custo e viatura.

Pensou, para com ele, que o Gonçalo Maria é de ideias fixas e se não aceitar, outro aceitará de certeza.

– Combinado! Temos que trabalhar. Combinei com o Alexandre, hoje ao final da tarde, bebermos um copo no Quebra e alinharmos os pormenores.

Apesar de achar estranho, os pormenores serem definidos na esplanada de um pub e não no recato de um lar ou escritório, agora tem patrão e há uma hierarquia. Também estava farto de investigar relações extraconjugais, que não são judicialmente penalizadas, que muitas são geradas pelo amor. Sentia-se um patife nesse meio. Prefere, sem dúvida, investigar crimes. Para além disso, gosta de ir ao Quebra e reconhece o Miguel Lima, dono do espaço, como amigo de longa data.

– A Eva também vai connosco ao Quebra. É de extrema confiança! Como ela não conhece Coimbra, podias ir andado com ela e mostrar-lhe aquela zona da Alta. Depois eu vou lá ter.

Respondeu que sim, que agora tendo um patrão e a ser pago a peso de ouro poderia servir de cicerone à namorada do Gonçalo Maria de Resende.

– Vou falar com a Eva e dizer-lhe para se preparar, que vai passear contigo.

Ficou sozinho na sala a ver um pouco de televisão. A TVI24 assegura que a situação em Coimbra está mais calma, que as pessoas voltaram a andar mais descontraídas na rua. Num pequeno apontamento, o director local da PSP, assegura que graças a um maior patrulhamento, a cidade está mais tranquila. Aproveitou para referir que no sentido de mais segurança e tranquilidade em Coimbra, a PSP autuou vinte e cinco condutores falando ao telemóvel enquanto conduziam e ainda, quarenta e oito veículos estacionados em local destinado à circulação pedonal.

Fixe! Com estas medidas, certamente nunca mais haverá crime em Coimbra.

Chegam à sala Gonçalo e Eva.

– Deixo aos teus cuidados, a minha menina linda! Eva, apresento-te o José Silva, grande amigo de infância e que nos vai ajudar na questão do rapto do pai do Alexandre.

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