De que está à procura ?

Colunistas

Não sei o que me deprime mais…

Fui convidada para participar no fórum GraPE – Graduados Portugueses no Estrangeiro, para falar sobre o mote desta edição: “O que me fez regressar?”

Antes da intervenção dos convidados, a senhora Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior falou das políticas e apoios do seu ministério.

Como esperado, a ministra teceu-se várias loas e chegou mesmo a dizer que a situação do emprego científico em Portugal está bem e recomenda-se, que o único problema (pasme-se!) é as pessoas não conhecerem os apoios que existem, e que na verdade até lhes falta pessoas qualificadas em quantidade suficiente para os muitos programas que têm.

Escusado será dizer que quando chegou a minha vez, não falei do que me fez regressar e expliquei, sim, que a situação dos investigadores em Portugal é precária, sem contratação ou com contratações confusas, os salários são baixos, a taxa de aprovação aos Concursos de Estímulo ao Emprego Científico (CEEC) ronda os 8%, ou seja que há 92% que não têm contrato, e por melhores que sejam as qualificações acaba-se por estar a correr de bolsa em bolsa, como eu por exemplo com a minha bolsa de pós-doutoramento, que oficialmente é de quatro (quatro!) meses, podendo ao fim desse tempo, ou não, renovar. E tendo eu de me considerar uma privilegiada por fazer parte do grupo dos que até têm bolsa, que já vai para a terceira renovação, mesmo que isso implique não saber onde se estará de aqui a seis meses nem poder fazer qualquer tipo de planificação da carreira.

A isto a senhora ministra responde-me categoricamente que não existem bolsas de pós-doutoramento da FCT. Não existem, por isso o problema de que falei não existe.

Dando-me eu ao trabalho de ler o cabeçalho da minha bolsa, onde diz: Bolsa de Investigação para Bolseiro de Pós-Doutoramento (e teria lido que faz parte de uma bolsa de pós-doc no âmbito de um projecto de ID que a minha unidade de investigação ganhou há anos e que nesses moldes é evidente que existem), mas a ministra atalha que então é uma bolsa de uma empresa qualquer, não é da FCT. Eu leio: bolsa FCT/MCTES (Fundação para a Ciência e Tecnologia/ Ministério para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior).

E então diz a senhora ministra (juro) que a minha bolsa é ilegal. Que não devia existir, e que eu estou a incorrer numa ilegalidade. Para eu lhe mandar o despacho.

Não sei o que me deprime mais: se ver toda a gente felicíssima com o estado da investigação científica em Portugal, se pensar sequer na hipótese de ser alvo de uma vendetta por ter falado em precariedade (o que não teria qualquer base jurídica, a bolsa existe e é tudo evidentemente mais que legal), ou se ouvir uma ministra mostrar em público que não conhece os mecanismos e os financiamentos que o seu próprio ministério atribui.

Ines Thomas Almeida

(ADENDA: a tipologia da minha bolsa (Bolsa de Investigação Pós-Doutoral, BIPD) está evidentemente descrita e legalmente bem enquadrada no Artigo 7º do Regulamento das Bolsas de Investigação, tal como se vê no Regulamento 950/2019 do Diário da República, que se pode consultar aqui neste link, que está… no site da FCT, que a senhora ministra, visivelmente, desconhece.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA