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Estás a trabalhar…?

© DR

Quando o telefone tocou, a avozinha estava sentada no sofá a ver televisão.

Não sabemos o quão interessante estava a ser o programa, mas sabemos que logo que a avozinha constatou que a chamada era do neto, todas as atenções desvaneceram do ecrã do televisor, para se concentrarem na chamada que estava para acontecer.

Quem é a avó que fica indiferente a uma chamada do neto? Provavelmente está preocupado com o seu estado de saúde, que com a idade, por muito forte e bem conservada que a avozinha esteja, há de lhe acontecer o mesmo que acontece à parede que ao fim de muitos anos começa a mostrar fissuras aqui e ali, até ao momento em que irá ceder por completo

– Estou, avó? Fazes-me um favor?

Do muito que se poderia dizer deste neto, que vai direto ao assunto, sem mais delongas, sem hipocrisias ou fingimentos, é que o rapaz é acima de tudo, bastante prático.

Tão prático que faz com que a avozinha se levante do seu sofá onde estaria, pelo menos, descansada da vida, a ver o seu programa, e usando a sua influência de neto, faz com que a avó se desloque ao supermercado para verificar o preço dos iogurtes líquidos, não vá que o rapaz gaste uns cêntimos a mais, desnecessariamente.

– Ai sim…? Pronto, obrigada, beijinhos.

E a avozinha fica com ar de quem está confusa e incrédula ao mesmo tempo. Mas… agora que o netinho querido sabe que está a poupar dinheiro com a sua escolha no supermercado, para que precisa ele da avozinha…?

Ó meus amigos…z, z, não havia necessidade, diria o grande Diácono Remédios. 

Um dia irá para um lar, onde as pessoa mais novas, e por isso, em estado imortal, lhe hão de lembrar que ali é a sua última morada.

– Ai filhinha…você daqui é para o cemitério.

Já ficamos muito confusos, sem saber se é mais cruel o neto que usa a avó, para poupar uns cêntimos nos iogurtes líquidos, ou estes cuidadores da terceira e última idade, que têm em sua defesa o facto de não poderem perder tempo com paparicos, porque os velhinhos e velhinhas são muitos, e os cuidadores muito poucos.

– És tu, paizinho? Estás a trabalhar? Faz-me lá um grande favor.

Esta pergunta do estás a trabalhar é uma pergunta de retórica. Uma pergunta que não espera resposta, por isso melhor que fosse logo direta ao assunto.

– Como? Estás a dar uma consulta?

Mas então…ó meus amigos…z, z, não havia necessidade. Quem disse que a saúde do paciente está primeiro? É que estamos aqui a falar de comparações, e se não forem comparações de preços, são de qualidade, o que é tão importante uma como a outra. Quem gosta de comer uma laranja que é de ontem, quando se pode comer uma que é de hoje? Não há paciente que se preze que não intenda a importância deste ato.

– Estás a trabalhar?

É claro que está a trabalhar. Porque é que esta gente só liga quando se está a trabalhar. Mas…o que será mais importante do que largar o trabalho, seja ele qual for, para ir ao supermercado dos empregados de bata branca e colarinho verde-claro, para se certificar se a carne que eles vendem vem dos Açores?

Pronto…obrigado/a, beijinhos…

– Ó meus amigos…z, z, não havia mesmo necessidade z.

António Magalhães  

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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