Crise da habitação em Berlim afeta comunidade portuguesa

O mercado imobiliário em Berlim enfrenta uma crise sem precedentes, afetando milhares de residentes, incluindo a comunidade portuguesa. Paula Gouveia, portuguesa radicada na capital alemã há três décadas e proprietária da padaria Bekarei, no bairro de Prenzlauer Berg, é um dos muitos exemplos de quem sente diariamente o impacto deste problema.
Em entrevista ao jornal Público, Paula revelou que ainda vive num apartamento aquecido a carvão, uma realidade que, em pleno ano de 2025, persiste em entre cinco a seis mil lares berlinenses. O motivo? O senhorio pretende que ela e a família saiam do imóvel para poder aumentar a renda. O apartamento em Prenzlauer Berg, de cerca de 73 metros quadrados, tem uma renda de 600 euros mensais (sem despesas), um valor muito inferior ao praticado atualmente na cidade, onde os preços podem variar entre 2.000 e 2.500 euros para apartamentos semelhantes no mesmo edifício.

No prédio onde Paula vive restam apenas duas rendas baixas: a sua e a de um vizinho. E são estes dois apartamentos que ainda são aquecidos a carvão. Isso significa que Paula, tal como o vizinho, tem de comprar carvão (ou blocos de madeira), guardá-lo na cave e ir levando para casa à medida que vai precisando. É necessário acender o forno uma vez por dia e limpar as cinzas uma vez por semana.
Acrescente-se que, na capital alemã, e de acordo com Paula Gouveia, as baixas temperaturas e a necessidade de aquecimento podem durar cerca de cinco a sete meses. Tudo isto torna esta situação extremamente complicada.
Natural de Leiria, Paula mudou-se para o apartamento situado no bairro da antiga Berlim Leste em 2000, numa época em que ainda era possível encontrar alojamento com relativa facilidade. Porém, mesmo nessa altura, enfrentou dificuldades por ser estrangeira e não ter fiadores. Hoje, com o mercado dominado por grandes empresas imobiliárias, o cenário é bem mais complicado.
Outrora um bairro calmo, Prenzlauer Berg tornou-se num dos mais cobiçados da capital alemã. Atualmente é comum verem-se sem-abrigo a dormir na rua (mesmo nos dias em que neva), cenário impensável há alguns anos.

A crise habitacional em Berlim tem vindo a agravar-se nos últimos anos. Segundo o jornal Bild, até 2026 serão construídas apenas 175 mil novas habitações, um número bastante inferior às 400 mil unidades anuais necessárias para atender à procura.
As rendas têm tetos de aumento fixados, mas há exceções e as melhorias para o desempenho energético são uma delas, tendo sido um mecanismo usado para aumentos.
As autoridades locais têm implementado medidas para mitigar a crise. De acordo com a Pragmatika Media, em agosto de 2024, o senado de Berlim aprovou a “Lei de Construção Acelerada”, que visa simplificar processos de planeamento e aprovação de novos projetos habitacionais. Todavia, alguns especialistas alertam que essas iniciativas podem não ser suficientes para acabar com os problemas estruturais do mercado.

Na data das últimas eleições legislativas, foi realizado um referendo na cidade sobre uma proposta de expropriar os gigantes grupos imobiliários privados que detêm milhares de apartamentos. Foi aprovada, mas não era vinculativa.
Para os emigrantes portugueses e outras comunidades estrangeiras, torna-se cada vez mais difícil encontrar um apartamento acessível em Berlim, forçando muitos a reconsiderar a sua permanência ou ida para a cidade.