Cannes: Paulo Carneiro e uma história de David contra Golias

O cineasta português Paulo Carneiro já apresentou o seu mais novo filme, um híbrido entre documentário e ficção, no Festival de Cinema de Cannes deste ano, na Quinzena dos Realizadores.
Depois da longa metragem “Bostofrio”, em “A Savana e a Montanha”, retorna a um vilarejo remoto da mesma região. O site Cineuropa entrevistou o português, a propósito desta seleção. Leia algumas das principais questões:
Como começou o projeto?
Conheci algumas pessoas da aldeia e já tinha ouvido falar do que se passava lá, mas não muito na altura. Em 2020, durante o COVID-19, quando tudo estava fechado, um vídeo sobre os mais novos desenvolvimentos viralizou nas redes sociais. A partir daí, comecei a entrar em contacto com pessoas e comecei a minha pesquisa. Eu fui para a aldeia. Devido à sua posição remota e aos seus poucos habitantes, rodeados pela natureza e pelas montanhas, parecia um lugar particularmente seguro durante a pandemia. Com uma câmara e com o meu engenheiro de som, estávamos lá, primeiro, principalmente para entender tudo, sem ter uma ideia precisa de como fazer um filme. Conversei com as pessoas, entre as quais estava também o presidente. Ele ajudou-me a entender o contexto político e aprendi muito sobre a dinâmica da comunidade.
Como desenvolveu o filme a partir daí?
Começamos a fazer vídeos do que acontecia e dos protestos, que a população pode compartilhar em diversas redes. Enquanto filmávamos o que realmente acontecia, vi que as pessoas eram frágeis. Muitas vezes, eles estavam muito tristes e deprimidos. Mas eu queria antes mostrar quão fortes eles são e como se motivaram para esta luta entre David e Golias. Então, como não acredito nos documentários convencionais, comecei a escrever a história como uma ficção. A câmera foi uma forma de reforçar a sua posição, de traduzir nas imagens a sua real força. Era importante considerar qual a posição que a câmara adotaria…
Evitou ter especialistas e realmente confiou nas próprias pessoas. Poderia explicar esta escolha?
Porque é o que melhor se adequa à intenção de mostrar a luta de David contra Golias. Para os protagonistas é difícil ter uma ideia precisa de contra quem estão lutando. Eles nunca veem as pessoas no topo de tudo. Para mim, cinema não é mostrar preto e branco, mas sim as zonas cinzentas. A intenção era mostrar as pessoas envolvidas na burocracia, mas os pequenos, os que fazem parte da população. Todo mundo é apenas uma pequena engrenagem na máquina.