Apagão: Especialistas explicam o que se passou e o que podemos aprender

“Está em curso uma frenética investigação para descobrir o que fez exatamente com que Espanha e Portugal ficassem sem energia esta segunda-feira”, comenta ao final do dia o jornal Politico, deixando milhões de pessoas sem acesso a… quase tudo.
A resposta terá sérias ramificações para os dois países — e para a Europa como um todo, consideram os especialistas contactados pelo jornal.
A União Europeia tem pressionado a Península Ibérica, que durante muito tempo operou como uma ilha energética dentro do bloco, para se ligar melhor às redes europeias. Já na segunda-feira, os especialistas debatiam se tais ligações poderiam ter ajudado a evitar os grandes apagões — ou colocado mais países em risco de sofrer efeitos secundários.
O apagão foi provocado por uma “oscilação muito forte na rede elétrica” que levou o sistema elétrico espanhol a “desligar-se do sistema europeu, e o colapso da rede elétrica ibérica às 12h38”, segundo Eduardo Prieto, diretor da operadora espanhola do sistema de transmissão Red Eléctrica. A operadora de rede elétrica portuguesa, REN, disse que “variações extremas de temperatura” em Espanha produziram flutuações inesperadas nas linhas de alta tensão. Isto terá provocado que partes da rede elétrica ficassem dessincronizadas, “levando a sucessivas perturbações na rede europeia interligada”.
Note-se que as autoridades de ambos os países recusaram-se a levantar hipóteses sobre o que poderia ter causado o desequilíbrio no sistema elétrico, tendo Luís Montenegro e o seu homólogo espanhol sido vagos sobre a explicação do problema.
Segundo Leonardo Meeus, professor especializado em eletricidade no Instituto Universitário Europeu, os operadores da rede têm de seguir um processo “tecnicamente muito complicado” para voltar a colocar o sistema de energia em funcionamento. Ambos os países precisaram de restaurar o fornecimento “passo a passo”, primeiro contando com geradores especiais, como bombas hidroelétricas, disse ao Politico.
Os países vizinhos também contribuiram, com a operadora de rede francesa RTE a fornecer 700 megawatts de electricidade a Espanha poucas horas após o apagão. As luzes voltaram a acender-se na maior parte das regiões mais a norte e a sul da Península Ibérica ao final da tarde, em parte graças ao fornecimento de energia proveniente de França e Marrocos.
“Os sistemas de energia estão ligados através de ‘interconectores'”, disse Solomon Brown, professor especializado em sistemas de energia na Universidade de Sheffield. “Isto significa que há interdependência entre as redes, mas também que terão de ser reiniciadas separadamente.
“Como as duas redes caíram, têm de ser recarregadas, o que significa que o operador da rede irá lentamente acionar geradores-chave compatíveis com os utilizadores (para que a produção e o consumo de eletricidade coincidam) em regiões da rede que se expandem lentamente, até que todo o sistema esteja de volta e possa então ser reconectado a redes externas.”
Note-se que Espanha e Portugal têm sistemas energéticos fortemente interligados, com poucas ligações transfronteiriças com França e com o resto da União. A Comissão Europeia, o executivo da UE, há muito que deseja alterar este facto, incentivando fortemente os países da UE a construir mais interligações. As autoridades argumentam que a medida melhoraria a segurança energética e facilitaria o fluxo de eletricidade através das fronteiras.
Madrid, Lisboa e Paris têm sinalizado repetidamente a disponibilidade para prosseguir este plano, mas os avanços têm sido lentos. Embora Espanha e França estejam finalmente a avançar com uma nova ligação no País Basco, a associação reguladora da energia da UE alertou no ano passado que não havia capacidade de transmissão de electricidade suficiente libertada, apesar dos requisitos legais para tal.
Mas ainda não é claro se mais ligações à Europa teriam amenizado o apagão.
Por um lado, mais ligações transfronteiriças poderiam ter reforçado a capacidade de Espanha de equilibrar a oferta e a procura e de importar electricidade, disse Pratheeksha Ramdas, analista sénior de energia da consultora Rystad. A actual capacidade comercial limitada de Madrid com a França “restringe as capacidades de resposta rápida durante perturbações de grande escala”, disse ao Politico.
Por outro lado, “o aumento da conectividade pode correr o risco de propagar a instabilidade de frequência para os sistemas vizinhos”, acrescentou, criando um efeito dominó de apagões em cascata noutros países da UE.
Espanha e Portugal são campeões da energia verde na UE e estavam a obter mais de 80% da sua eletricidade a partir de fontes renováveis pouco antes da falha de energia na segunda-feira. Os especialistas já disseram que a rápida expansão da energia eólica e solar está a aumentar a pressão sobre a rede elétrica espanhola, que precisa de ser atualizada para lidar com volumes recorde de energias renováveis intermitentes.
“Mas a energia verde não foi a culpada pelo apagão desta segunda-feira”, disse Meeus, uma vez que a UE aplicou nos últimos anos vários conjuntos de regras, como códigos de ligação à rede atualizados de 2016, para evitar que os geradores de energia renovável se desliguem da rede de uma forma que coloque o sistema em risco.
“A natureza e a escala da disrupção tornam improvável que o volume de energias renováveis tenha sido a causa, com a rede espanhola frequentemente sujeita a volumes muito elevados desta produção”, acrescentou Daniel Muir, analista sénior de energia europeia da S&P Global. “Havia geração convencional suficiente disponível, com tecnologias nuclear, hidroelétrica, de cogeração e térmica, todas no sistema antes do evento e… disponíveis para o operador”, disse.