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Altina Ribeiro dá voz à emigração no seu primeiro romance “(Il)Légitime”

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Altina Ribeiro, autora transmontana natural de São Vicente da Raia, tem-se destacado na literatura pela forma singular como aborda a experiência da emigração portuguesa. Após o lançamento de várias obras, a autora regressa com “(Il)Légitime”, um romance de ficção inspirado em factos reais, com um olhar profundo sobre a emigração portuguesa para França nos anos 60 e 70. O BOM DIA contactou a escritora e, agora, conta-lhe tudo sobre esta nova obra.

Este é o quinto livro de Altina Ribeiro e marca uma nova etapa na sua carreira literária. “(Il)Légitime” mergulha na história de famílias emigrantes que enfrentam as dificuldades da adaptação a uma nova terra, ao mesmo tempo que lutam pela preservação das suas raízes e identidade. Num cenário de uma França marcada pela presença massiva de emigrantes portugueses, o romance questiona a legitimidade da pertença, desafiando a complexidade da relação entre as duas nações.

A história por trás de “(Il)Légitime”

“(Il)légitime é um romance baseado em factos reais. Foi uma senhora que me contou a história dela, mas que me pediu para que fosse uma ficção. Foi um novo exercício para mim porque, até agora, só escrevi biografias. Adorei a liberdade que me deu a escrita deste primeiro romance.”, revela a autora.

Segundo Altina Ribeiro, o título do livro “diz tudo” acrescentando que a obra “conta a história de Fátima, uma mulher que se sente sempre ilegítima. Tudo começou quando nasceu, já que, nos papeis do registo civil, foi declarada pela avó paterna, e não pelo pai, como filha ilegítima porque os pais não eram casados. Nasceu numa família pobre em Portugal no fim dos anos cinquenta. Foi vítima da violência da parte dos adultos e, durante a vida dela, sempre se considerou como ilegítima.”

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Temas marcantes da obra

O livro, editado pela “almaletra” aborda os temas da condição da mulher no Portugal dos anos cinquenta. Além disso, denuncia a violência feita às crianças e às mulheres e é também sobre a emigração portuguesa “porque o pai da Fátima emigrou para França, a esposa foi ter com ele e, mais tarde, em 1970, a mãe foi buscar a filha que tinha ficado com os avós.”, esclarece a escritora.

Em “(Il)Légitime”, as personagens enfrentam desafios que muitos emigrantes portugueses sentiram nos anos 60 e 70. Quando questionada sobre se esses desafios permanecem relevantes para os emigrantes de hoje, Altina Ribeiro não tem dúvidas, “os desafios de hoje são diferentes. Penso que o mais importante para eles será talvez adquirir novas experiências e ganhar melhor a vida. Viver longe dos seus, também é um desafio, mas não é tão difícil como nos anos 60 devido ao facto de, nos tempos atuais, ser mais fácil manter contacto com amigos e familiares.”. 

A escritora sabe que a história que assina é triste, porém, espera que a sua escrita suscite a curiosidade do público: “Esta história é triste, mas trata de assuntos importantes e reais que devem ser conhecidos. Conta dramas concentrados na mesma pessoa, mas espero que a minha escrita vai atrair e agarrar os leitores.”

O livro já foi apresentado na Casa de Portugal André de Gouveia, na Cidade Universitária Internacional de Paris e no Consulado-Geral de Portugal em Paris e, sobre a receção que tem tido por parte do público, Altina Ribeiro confessa que “a maior parte do público já me conhece e gostou dos meus primeiros livros. Notei uma curiosidade e uma impaciência em descobrir-me num romance.”

O percurso entre duas culturas

A língua e a cultura são elementos importantes na identidade de quem emigra. Altina Ribeiro partilhou o seu percurso entre o francês e o português e satisfez a nossa curiosidade sobre se alguma vez sentiu que pertencia mais a um país do que ao outro: “Antes de vir para França, tinha iniciado a escola em Portugal até à segunda classe. Quando cheguei a Paris, fui de novo para a primeira classe. Tive assim três anos de atraso, mas não me impediu de continuar os estudos. Não deixei de estudar português. Quando não tinha aulas francesas, ia ao curso de português. Pude assim aperfeiçoar-me na minha língua materna e melhorar o meus fracos conhecimentos em história e geografia do meu país. Como os meus pais queriam que fosse trabalhar o mais rápido possível, só pude tirar o curso de secretária. Mais tarde, já casada, com dois filhos e 35 anos, decidi estudar mais para tirar o curso de “clerc d’avocat” (assistente jurídica). Nunca senti que pertencia mais a um país do que ao outro. Considero-me portuguesa e cidadã francesa. Não vivo a emigração como uma fraqueza, mas como uma riqueza de ter duas culturas.”                                                                                                                                                             

A reação dos leitores

“A comunidade portuguesa em França gosta de me ler porque escrevo histórias pessoais que pertencem a uma história coletiva. Comecei por escrever a minha história no meu primeiro livro “Le Fado pour seul bagage”, traduzido para português com o título “De São Vicente a Paris”, no qual conto a minha infância em Portugal nos anos 60, a emigração clandestina do meu pai em 1963, a nossa vida na aldeia sem ele durante seis anos, a nossa emigração, também clandestina, em 1969, e a nossa vida no nosso país de acolhimento”, refere.

“Uma senhora que leu a minha autobiografia, contactou-me para eu escrever a dela. Como se chama Alice e viveu momentos dolorosos durante a ditadura, o livro tem o título de “Alice au Pays de Salazar”, também escrevi a biografia de Dan Inger dos Santos, um autor, compositor e cantor lusodescendente, sobre o título “Trois notes de blues pour un fado” e um livro sobre o ensino durante o Estado Novo através a história  de uma regente escolar que me foi contada pelo filho. 

Altina confessa que, apesar de se sentir muito feliz ao apresentar os seus livros, seja em português ou em francês, sente-se “mais à vontade quando a apresentação é em francês porque fiz os estudos em França.”. 

“Os leitores, sejam portugueses, franceses ou de outras origens, reagem da mesma maneira porque as pessoas são sensíveis a factos reais. E as histórias de emigração falam a toda a gente, mesmo a pessoas que deixaram a aldeia onde nasceram para ir viver para a cidade ou a capital. O choque cultural não é tão grande, mas é sempre uma mudança de vida.”, termina.

Com esta nova publicação, a franco-portuguesa continua a dar voz à diáspora portuguesa e a preservar a memória dos emigrantes. Pode adquirir “(Il)Légitime” no site da autora ou no da editora.

Texto: Fabiana Bravo

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