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A tragédia europeia das mortes no Mediterrâneo

Um relatório recente da Organização Internacional das Migrações revela que o ano de 2021 foi o pior, desde 2016, em mortes e desaparecidos no Mediterrâneo, a maioria dos quais ao largo da Líbia. Tendo havido um aumento considerável dos fluxos migratórios desde há uma década com recurso às rotas do mar Mediterrâneo, a União Europeia procurou travar as migrações inseguras com recurso ao financiamento generoso de programas de cooperação com a Líbia, aparentemente sem grandes resultados.

É isso mesmo que evidencia o trágico afundamento ao largo da ilha grega de Pylos, que poderá ter vitimado mais de 700 pessoas, das quais entretanto mais nada se soube, muitas delas mulheres e crianças, provenientes do Nordeste da Líbia, de Tobruk, depois de a embarcação apinhada de gente ter sido detetada por autoridades de vários países e pelos aviões da Frontex.

Parece, assim, que tudo falha e em todas as frentes, perante um certo adormecimento da União Europeia e um falhanço maior no que deveria ser o objetivo principal de salvar vidas. As embarcações precárias e sempre sobrelotadas continuam a sair da Líbia, os países mediterrânicos continuam a fingir que não veem os barcos cheios de migrantes, a Frontex preocupa-se mais com a segurança das fronteiras do que com os salvamentos, os traficantes continuam a encher os bolsos com a morte de seres humanos e a União Europeia continua paralisada com as posições anti-imigração de alguns Estados-membros. Portanto, há algo de errado a exigir uma abordagem radicalmente diferente.

Seria injusto não reconhecer que também muitas vidas têm sido salvas pela ação da Frontex e por organizações não-governamentais que continuam atentas aos movimentos no mar, quantas vezes longe
dos holofotes. Mas o foco deve estar sempre na dignidade da vida humana e nos esforços que não devem ser regateados para evitar as mortes trágicas. Conforme referem as Nações Unidas, entre as embarcações que se sabe que afundam e as que chegam ao destino, também há muitas que desaparecem sem deixar rasto, sem que se saiba quantas vidas se perderam. Além do escandaloso número de mais de 21 mil mortes e desaparecimentos no Mediterrâneo desde 2014, ainda se somam
aqueles que morrem ou desaparecem nos percursos até aos barcos, cheios de perigos, sofrimento, privações, humilhações e violações dos direitos humanos, sem que nada disto comova suficientemente
europeus, africanos ou asiáticos, conforme alertam as Nações Unidas, infelizmente sem a atenção que estas tragédias exigiriam. E assim, perante a ineficácia das políticas europeias de imigração e asilo e de leis nacionais de alguns países cada vez mais apertadas que criminalizam todo o tipo de apoio a migrantes, as mortes no Mediterrâneo vão-se banalizando e já nem o refrão repetido de que os barcos são caixões ambulantes e o mar um imenso cemitério provoca qualquer rebate de consciência nos
dirigentes e opiniões públicas.

A questão é que as tragédias no Mediterrâneo são uma consequência da falta de solidariedade paralisante dentro da União Europeia, portanto, um problema de toda a Europa, refém da extrema-direita e dos populismos que têm exacerbado a rejeição dos migrantes e refugiados, criando assim condições para que ocorram as tragédias a que temos assistido uma e outra vez.

Porque, ao invés de se seguir o caminho apontado pelas Nações Unidas de promover fluxos migratórios seguros e ordenados, continuam as políticas das leis repressivas e da ideia muito errada de que quanto mais dificuldades tiverem os migrantes, menos se aventuram a caminho da Europa, o que a realidade repetida dos afundamentos desmente de maneira dolorosa.

Portanto, a Europa precisa de uma estratégia inteligente, solidária e humana para resolver este problema dramático, sem ceder às extremas-direitas que por aí andam.

Pois se é possível criar uma solidariedade para repartir os fundos, como se pode admitir que não haja uma solidariedade para salvar vidas?

Deputado do PS

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