De que está à procura ?

Colunistas

A paz amarga: Entre a realidade do campo de batalha e a necessidade de compromisso

© dr

A guerra na Ucrânia ultrapassou os três anos e entrou numa fase crítica. Com a mudança de administração nos Estados Unidos e uma nova abordagem política sob a presidência de Donald Trump, o conflito pode finalmente estar a caminhar para um ponto de viragem.

Desde fevereiro de 2022, a Ucrânia tem resistido à invasão russa com apoio militar, financeiro e diplomático do Ocidente. No entanto, os avanços esperados não se concretizaram, e a Rússia mantém o controlo sobre vastas áreas do leste e sul da Ucrânia. Enquanto isso, o custo da guerra está a tornar-se insustentável para os aliados de Kiev, levando a um crescente debate sobre o realismo de continuar a apoiar indefinidamente um conflito sem solução militar à vista.

Agora, com Trump de volta à Casa Branca, a abordagem norte-americana mudou drasticamente. Em vez de um apoio irrestrito, a sua administração tem pressionado por um acordo que encerre a guerra. Mas qual será o preço da paz? E será que as partes envolvidas estão prontas para enfrentar a dura realidade das concessões?

O desgaste no campo de batalha e o custo económico

Após três anos de guerra intensa, a Ucrânia encontra-se num impasse estratégico. A contraofensiva em 2023 fracassou ao tentar romper as fortificações russas, deixando as forças ucranianas desgastadas e sem munições suficientes para sustentar novas operações de grande escala. O recrutamento de novos soldados tornou-se um desafio, e a economia do país continua dependente da ajuda externa.

A Rússia, apesar das sanções, conseguiu adaptar-se economicamente e reforçar as suas linhas defensivas. Beneficiando de relações comerciais com países como a China, a Índia e outras nações que não aderiram plenamente às sanções ocidentais, Moscovo manteve um fluxo contínuo de receitas, permitindo-lhe sustentar o esforço de guerra.

Enquanto isso, os EUA e a União Europeia já investiram centenas de milhares de milhões de dólares e euros no conflito, o que começa a gerar um efeito dominó nas suas próprias economias. A inflação elevada, o desgaste dos orçamentos militares e a crescente fadiga política entre os eleitores ocidentais estão a criar uma nova dinâmica: o questionamento do custo real da guerra e a procura por uma saída.

Trump explorou precisamente esse sentimento para vencer as eleições presidenciais, prometendo cortar gastos militares desnecessários e colocar os interesses americanos em primeiro lugar. Esse novo pragmatismo está a ter repercussões diretas na diplomacia global e na posição dos EUA em relação ao conflito.

Desentendimento na Casa Branca: Trump, Vance e Zelensky

Um dos momentos mais tensos desta nova abordagem surgiu recentemente num encontro entre Trump, o Vice-Presidente JD Vance e o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na Casa Branca. O tom da conversa rapidamente escalou quando Trump acusou Zelensky de prolongar desnecessariamente o conflito e de tentar arrastar os EUA para um envolvimento ainda mais profundo.

JD Vance, um dos principais opositores ao envio de mais fundos para a Ucrânia, criticou abertamente a postura de Kiev, considerando-a ingrata face ao apoio já recebido. Esse confronto culminou no cancelamento de um acordo mineral entre os EUA e a Ucrânia, que poderia ter sido um primeiro passo para estabilizar economicamente o país e criar incentivos para um cessar-fogo.

Este episódio expôs as divisões crescentes entre os EUA e a Ucrânia, sinalizando que Kiev já não pode contar com um cheque em branco de Washington. A posição dos EUA está agora mais orientada para pressionar negociações diretas entre Ucrânia e Rússia, mesmo que isso implique concessões territoriais dolorosas.

O acordo mineral: oportunidade perdida para a paz?

O acordo mineral que foi abandonado previa que empresas norte-americanas pudessem explorar os ricos recursos da Ucrânia, particularmente metais raros essenciais para a indústria tecnológica e militar. Para a Ucrânia, este acordo representava um caminho para reduzir a dependência financeira do Ocidente e fortalecer a sua economia a longo prazo.

No contexto das negociações de paz, este acordo poderia ter funcionado como uma alavanca para incentivar a Rússia a considerar um cessar-fogo. Mostrar que os EUA estavam a investir na reconstrução da Ucrânia poderia ter sido um fator dissuasor para Moscovo, mas com o cancelamento do acordo, a posição de Kiev ficou ainda mais fragilizada. Apesar de Volodymyr Zelensky dizer que pretende voltar atrás e assinar esse acordo, e Donald Trump renovou interesse em reagendar para breve esse acordo. 

Reaproximação entre Trump e Putin: Encontro na Arábia Saudita

Num movimento que demonstra uma mudança na estratégia geopolítica dos EUA, Trump anunciou um encontro com Vladimir Putin na Arábia Saudita, mediado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.

Este será o primeiro encontro cara a cara entre os dois líderes desde o início da guerra e poderá marcar o início de uma nova fase diplomática. Trump, que sempre defendeu uma relação mais pragmática com a Rússia, poderá tentar negociar um acordo que ponha fim às hostilidades.

A escolha da Arábia Saudita como palco para este encontro reforça o papel emergente do país como mediador global, demonstrando que Riad está cada vez mais envolvido nos grandes conflitos internacionais.

Caso este encontro resulte num acordo preliminar, será um passo significativo para reduzir as tensões globais e poderá abrir caminho para conversações de paz mais concretas.

Uma solução pragmática: concessões e garantias de segurança

Se a paz for a prioridade, então é necessário aceitar que nenhuma das partes sairá completamente vitoriosa deste conflito.

Possíveis termos de um acordo:

1. Crimeia – A Rússia anexou a Crimeia em 2014 e não há qualquer cenário realista em que a Ucrânia possa recuperá-la. O reconhecimento oficial desta anexação poderia ser um dos pilares do acordo.

2. Donbass – Em vez de uma anexação total, poderia ser negociado um estatuto especial de autonomia para as regiões de Donetsk e Luhansk, sob supervisão internacional.

3. Odesa e Kursk – A Rússia tem interesse em consolidar a sua presença no Mar Negro, e Odesa poderia estar em negociação. Em troca, Kiev poderia receber regiões fronteiriças como Kursk, garantindo uma compensação territorial.

4. Escudo antimíssil e forças de paz – Para garantir que a Ucrânia não volte a ser atacada, os EUA e a NATO poderiam fornecer um escudo antimíssil de última geração, além de uma força de paz europeia supervisionada pela ONU durante os primeiros anos.

Conclusão: O dilema da paz

A guerra na Ucrânia nunca foi sustentável a longo prazo. Desde o primeiro dia, sabia-se que a Rússia tinha uma vantagem estrutural e que o Ocidente não poderia financiar indefinidamente o conflito sem consequências económicas e políticas.

Agora, com a mudança de administração nos EUA e a crescente fadiga ocidental, o cenário está a mudar. Trump quer resolver a questão rapidamente, pressionando a Ucrânia a aceitar um compromisso difícil. A Rússia, por outro lado, quer garantir que qualquer acordo preserve os seus ganhos territoriais e assegure que a NATO não expanda a sua presença.

A paz será amarga para ambos os lados, mas continuar a guerra pode ser ainda pior. A questão agora é: os líderes mundiais terão a coragem de enfrentar essa realidade antes que seja tarde demais?

António Ricardo Miranda

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA