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Teatro: E se Fernando Pessoa fosse uma lusodescendente no Luxemburgo?

 Uma peça que revisita o “Livro do Desassossego”, do heterónimo pessoano Bernardo Soares, na perspetiva de uma lusodescendente no Luxemburgo, estreia-se no Teatro de Esch, no Sul do país.

Escrita e encenada por Rita Bento dos Reis, “Intranquillités – Suite pour âmes perdues” tem, no papel principal, a atriz luso-luxemburguesa Hana Sofia Lopes, que dá vida a Lena, filha de imigrantes portugueses no Luxemburgo.

Tal como no diário ficcional de Bernardo Soares, a personagem de Lena trabalha como secretária, mas numa empresa de gestão financeira luxemburguesa. E, tal como muitos imigrantes, questiona-se sobre a sua identidade, dividida entre o Luxemburgo e Portugal, acabando por descobrir em Fernando Pessoa a resposta para muitas das suas questões existenciais.

“É essa a força da arte e da literatura, e esse é um dos temas da peça. Pessoas, em particular mulheres, que vivem vidas monótonas, e que encontram na arte uma libertação, através da voz de outras pessoas”, disse à Lusa a autora e encenadora, Rita Bento dos Reis.

Mas enquanto Bernardo Soares escrevia as suas reflexões em papel, Lena faz ‘podcasts’, uma espécie de diário áudio em que fala dos livros que está a ler, incluindo o “Livro do Desassossego”.

Lena é inspirada em vários portugueses a viver no Luxemburgo. “São pessoas com uma vivência multicultural e multilingue, e isso reflete-se às vezes negativamente e, outras vezes, positivamente nas suas vidas”, explicou a encenadora, ela própria filha de pais portugueses que se fixaram no Grão-Ducado quando tinha nove anos.

O multilinguismo é outro dos temas da peça, a começar pela frase pessoana “A minha pátria é a língua portuguesa”.

“Essa frase é abordada na peça, e é uma frase que cansa a personagem de Lena, por ser usada a torto e a direito. Para ela, a pátria dela não é a língua portuguesa, é a língua das pequenas coisas, do quotidiano, mas ao longo da peça vai redescobrir a língua de Pessoa e vai-se aproximar da língua materna”, antecipou a encenadora.

A peça é a grande aposta do Teatro de Esch nesta temporada, numa altura em que se assinalam os 130 anos do nascimento de Fernando Pessoa, e para Rita Bento dos Reis, o poeta, que foi educado na África do Sul, tem muitos pontos de contacto com a situação dos imigrantes e lusodescedentes.

“Pessoa enquadra-se muito bem nesta temática, porque ele também era multilingue e aprendeu português como autodidata, e ao voltar a Portugal passou a ter uma relação de questionamento com a língua, quase de cirurgião”, defendeu a encenadora, que considera que o questionamento existencial do poeta português continua a dar resposta a muitos leitores.

Para a autora e encenadora, ela própria atriz, o facto de falar várias línguas permite igualmente “uma liberdade e uma abertura muito grande”.

Rita Bento dos Reis, que chegou ao Luxemburgo com nove anos, estudou na Escola Europeia e formou-se em Arte Dramática no Conservatório Royal de Liège, tendo feito um mestrado em teatro na Universidade de Point Park, em Pittsburgh (EUA).

A atriz lusodescendente Hana Sofia Lopes estreou-se em 2011 na primeira ‘sitcom’ luxemburguesa, “Weemseesdet” (“Olha Quem Fala”), e participou em várias séries e telenovelas em Portugal, incluindo “Filhos do Rock”, na RTP, e “Coração d’Ouro”, na SIC.

A peça, que conta ainda com o ator francês Denis Jousselin no papel de Bernardo Soares, estreia hoje no Teatro de Esch, no Sul do país, tendo mais duas representações nos dias 17 e 18 de novembro.

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