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Supercomputadores estão a clarear os céus de Vénus

A versão mais precisa do modelo físico completo tridimensional da atmosfera de Vénus fornece perspetivas sobre as suas camadas exteriores altamente instáveis e em grande medida inexploradas, segundo dois estudos com coautoria e liderança de investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

O ar irrompe, mais rápido do que o som, 130 quilómetros acima da superfície, soprando de leste, mas é subitamente travado ao anoitecer, comprimido num choque. Poderia estar a acontecer na atmosfera de Vénus, mas é de facto uma simulação de vários dias que corre em supercomputadores, em França, onde foi de início desenvolvida, mas também em Portugal, Estados Unidos e Canada.

A versão melhorada do Modelo da Circulação Geral de Vénus (VGCM na sigla inglesa), um modelo tridimensional totalmente apetrechado com processos físicos e dinâmicos, simula a atmosfera de Vénus com a maior resolução de sempre, até à altitude de 150 quilómetros. É agora capaz de imitar fielmente observações científicas recentes, enquanto revela também detalhes que poderão explicar algumas das muitas incógnitas do planeta gémeo falso da Terra. Estes resultados são relatados num par de artigos publicados online em março na revista científica Icarus, respetivamente com coautoria e liderança de Gabriella Gilli, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa).

Os dois estudos centraram-se nas altitudes entre os 80 e os 120 quilómetros, uma região altamente variável da atmosfera de Vénus ensanduichada entre os ventos de grande potência do nível das nuvens e da termosfera. “Alguns dos meus colegas chamam a estas camadas superiores a ‘ignotosfera’, para sublinhar a falta de conhecimento e medidas que temos desta região”, diz Gabriella Gilli, que a tem tentado interpretar estendendo o VGCM com processos físicos que ocorrem a maiores altitudes, e validando o modelo com observações da sonda Venus Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), e de telescópios na Terra.

O primeiro dos dois estudos agora publicados “revelou detalhes nunca antes simulados e exibe uma atmosfera noturna altamente variável, sugerida pelas observações, mas nunca descrita por outras simulações numéricas”, diz a coautora Gabriella Gilli. Esta investigadora liderou o segundo estudo, no qual a sua equipa mostra que o modelo é capaz de fornecer estimativas confiáveis para temperaturas e ventos em regiões onde as medições são escassas.

Na ausência de nuvens a elevadas altitudes, as abundâncias de moléculas como o monóxido de carbono ou oxigénio permitem aos cientistas seguir e monitorizar a dinâmica da atmosfera. No passado, observações no lado noturno do planeta de pontos brilhantes de luminescência no infravermelho específica de moléculas de oxigénio e detetados a latitudes elevadas deixaram os cientistas intrigados. Esta versão melhorada do modelo VGCM é a primeira simulação numérica a reproduzir este fenómeno.

Baseado em características inesperadas, que emergiram das simulações mas ainda não observadas em Vénus, Thomas Navarro (UCLA e McGill University) e a sua equipa avançaram a primeira explicação para esses padrões na luminescência infravermelha noturna: uma estrutura de choque produzida por um acentuado decréscimo na velocidade do vento supersónico ao crepúsculo e ao alvorecer, e também um tipo de onda atmosférica de gravidade4 à escala planetária, designada onda Kelvin. Navarro, o outro primeiro autor e coautor destes estudos, explica: “Essa luminescência muda numa questão de poucas horas por causa da variabilidade do vento acentuada pelo choque. E alcança elevadas latitudes devido à circulação do vento em direção aos polos intensificada pela onda Kelvin.”

A validação do modelo com os dados, e a complementaridade dos dois estudos, dão aos investigadores segurança para interpretar aquelas características inesperadas como sendo responsáveis pela variabilidade observada no hemisfério noturno de Vénus. O dia e a noite em Vénus são de facto radicalmente diferentes porque o planeta roda muito devagar. “Um dia em Vénus é muito longo, cerca de 117 dias terrestres, com implicações na distribuição da radiação solar”, explica Gilli. “O lado noturno é tão frio que foi chamado ‘criosfera’ acima dos 100 quilómetros. Um forte gradiente de temperatura e pressão entre o dia e a noite produz ventos fortes, mais rápidos do que as ondas sonoras, característicos da circulação dia-noite dessas camadas superiores, movendo-se do meio-dia para o lado noturno.”

O VGCM foi primeiro desenvolvido no Institut Pierre-Simon Laplace (IPSL), em França. Esta versão atualizada discrimina detalhes ao nível do equador entre células de apenas 200 por 400 quilómetros, e mais pequenas ainda nas outras latitudes. É crucial para interpretar as observações e revelar os mecanismos físicos em jogo em Vénus. Poderá também dar perspetivas sobre o passado ou o futuro do nosso próprio planeta-mãe, mas Vénus é igualmente um análogo para antecipar o estudo de mundos fora do Sistema Solar – exoplanetas em rotação lenta, com elevada pressão à superfície e uma atmosfera densa e nebulosa, em linha com a investigação do IA neste domínio.

Os resultados agora publicados na revista científica Icarus pedem por mais observações do invólucro atmosférico exterior venusiano: a alta mesosfera e a termosfera. Enquanto ainda teremos de esperar cerca de duas décadas por outra missão espacial ao nosso vizinho, telescópios na Terra podem monitorizar as abundâncias de marcadores dinâmicos (compostos químicos) e mapear os ventos e as temperaturas.

Investigadores do IA e estudantes de mestrado em Ciências ULisboa, Diogo Quirino e Vasco Silva, estiveram também envolvidos nestes estudos, afinando os parâmetros do modelo para melhor reproduzir as temperaturas em acordo com dados da Venus Express, e no estudo dos marcadores dinâmicos extraídos do modelo nas mesmas regiões e momentos do dia das observações.

 

 

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