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“Segredos de amor e sangue” de Francisco Moita Flores

Esta foi a segunda obra que li do escritor Francisco Moita Flores. A primeira, “Mataram o Sidónio”, já me tinha cativado pela capacidade descritiva dos acontecimentos e da perfeita conjunção entre os personagens reais e ficcionados da história. Neste romance, a caracterização do personagem principal com valores humanistas alerta-nos para os conceitos de bem e do mal, conceitos esses que se vão destacar sobretudo no protagonista do romance “Segredos de amor e sangue”.

No romance “Mataram o Sidónio”, o escritor constrói uma narrativa onde o personagem principal, Asdrúbal, um médico legista, vai tentar desvendar o assassínio do então Presidente, Sidónio Pais. A versão da polícia no local tende a mitificar o acontecimento, colocando palavras na boca do Presidente que nunca poderiam ter sido pronunciadas, ao mesmo tempo que construía uma versão dos fatos onde se ilibava a ela própria das mortandades cometidas naquela hora na estação do Rossio. Num tempo em que morriam em Lisboa mais portugueses com a febre espanhola do que na primeira Grande Guerra, realidade e ficção confundem-se numa narrativa clara e descritiva dos fatos históricos duma determinada época, num país onde era possível encontrar alguns homens visionários com vontade de repor a verdade dos factos.

Em “Segredos de amor e sangue”, Moita Flores seduz-nos com a história de um homem bom, humanista, visionário, um homem que vive muito além do seu tempo e que sonha aprender a ler e a escrever.

Estamos em meados do séc. XIX, período durante o qual os ideais humanistas e liberais vindos de França e os valores da modernidade sopram ventos favoráveis num país à mercê das convulsões políticas, da fome e da miséria. A revolução industrial faz com que as populações se desloquem massivamente do interior para as grandes cidades. Lisboa é uma cidade repleta de gente pobre e sem meios para sobreviver, muitos à mercê dos mais espertos. Portugal vivia a nível político a luta entre liberais e absolutistas na busca da conquista do poder. A população era maioritariamente analfabeta, cerca de 90% da população não sabia ler nem escrever.

O romance desenvolve-se como um relato de memórias. Manuel Alcanhões narra os anos em que, na cidade de Lisboa, estranhas mortes se repetiam no Aqueduto das Águas Livres.

Manuel Alcanhões é dono de uma pequena taberna em Alfama por onde passa todo o tipo de gente, desde fadistas a marginais e escritores, um lugar onde as mais tristes realidades se vão revelando.

Para além da narrativa dos fatos históricos que envolveram Diogo Alves e a sua seita na terrível onda de crimes que aconteceram em Lisboa, temos um homem apaixonado pela mulher com quem partilha os dias – a quem trata de igual para igual, coisa impensável na época, e apaixonado pelas letras e pela literatura.

Manuel Alcanhões vai aprender a ler e a escrever com um padre absolutista, ao mesmo tempo que gere a sua taberna.

Neste romance Moita Flores lembra-nos a importância da literatura para a formação dos homens e, nesse sentido, convoca para dentro da narrativa figuras das letras tão importantes como Shakespeare, Cervantes, Vítor Hugo, Alexandre Dumas, o padre António Vieira, Camões, Gil Vicente ou Bocage. É na leitura destes escritores que Manuel se vai formar mas também na convivência com o grande homem das letras português João de Deus, cliente e amigo do seu estabelecimento.

Este romance convoca-nos à reflexão dos conceitos do bem e do mal, da justiça do povo e da justiça institucional, da capacidade de amar o outro e da capacidade de perdoar.

“Segredos de amor e sangue” é um romance histórico e como tal narra fatos verdadeiros, fazendo convergir na mesma narrativa personagens reais e fictícias que evoluíram num determinado tempo, num determinado espaço. É sem dúvida no entanto também um apelo ao desejo de evoluir e acreditar na força do bem e dos ideais humanistas.

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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