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Roberto Sion: a música desde sempre

Roberto Sion é, sem dúvida, um dos nomes mais importantes da música instrumental brasileira contemporânea. Doutor em música pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi aluno do Berklee College of Music, em Boston/EUA. E o que poucos sabem, é que ainda jovem formou-se em Psicologia, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCamp).

Além de destacado saxofonista, flautista e clarinetista, é maestro, arranjador e professor da Escola de Música do Estado de São Paulo – EMESP Tom Jobim.

Consagrado nacional e internacionalmente, com dez álbuns gravados, tem feito apresentações pela Europa, Estados Unidos, Israel e Japão. Foi fundador e regente titular da Orquestra Jovem Tom Jobim.

Quando começou seu envolvimento com a música?

Aos cinco, seis anos, em Santos, onde nasci, meu pai me colocou para estudar música e desde então as melodias vinham em minha cabeça. Lembro-me de fazer umas bolinhas coloridas nos lugares das notas dos exercícios que a professora de piano me passava. Eu tentava fazer umas melodias, mas não tinha certeza se a altura da nota estava certa ou não. Até pouco tempo atrás, eu guardei esses papéis. Meu pai foi um pianista amador, que morou nos Estados Unidos, lá entrando em contato com o jazz. Ele teve, inclusive, um conjunto, que tinha o sugestivo nome de Amor e Fome, nos anos 40. Ao mesmo tempo, minha mãe e minha tia, de família de judeus sefaraditas, eram muita cultas e me despertaram o amor pela música erudita. Ainda muito jovem, aos 14 anos, eu comecei a tocar no rádio, com o Rago e seu regional, num programa da Rádio Cacique, de Santos. Fiz também, por essa época, meu primeiro concerto, tocando saxofone. Além disso, cheguei a participar de um programa da antiga TV Paulista, que tinha uma sucursal em Santos, chamado Calouros no Chuveiro, no qual fui cantar e acabei ganhando 50 cruzeiros. Havia ainda o Parque Balneário, da época dos cassinos, que promovia grandes bailes, trazendo artistas importantíssimos, não só brasileiros, mas também estrangeiros. No entanto, eu comecei tocando piano e a passagem para o saxofone foi paulatina. Eu admirava demais o Casé e o Paulo Moura, os dois grandes saxofonistas brasileiros da época. Aliás, ainda garoto, tive o privilégio de poder tocar para o Casé e ouvir dele elogios, o que me incentivou muito.

Quais as figuras que mais o influenciaram por essa época?

A primeira professora foi a Juracy, depois a Marina, que a cada aniversário me dava uma biografia de um grande compositor. Em seguida, meu pai me matriculou no Conservatório Lavignac, onde encontrei nas figuras das duas irmãs que o dirigiam, Dulce e Adriana, grande incentivo. Nesse período, eu passei a cantar no coral do Conservatório e isso foi de suma importância para minha musicalidade. Lá eu me formei, após nove anos de estudos ininterruptos.

Por que a opção pelo curso de Psicologia, na fase adulta?

Eu via que os músicos levavam uma vida muito difícil e não queria aquilo para mim. Inicialmente pensei em partir para a Medicina, para me especializar em Psiquiatria, mas vi que melhor seria Psicologia. Fui fazer o curso na PUC de Campinas.

E o retorno à música, como se processou?

Campinas não tinha quase nada de vida musical e eu me entreguei de corpo e alma ao curso de Psicologia. Isso me frustrava um pouco, às vezes eu tocava em algum bailinho. Mas no quarto ano, acabei entrando num grupo de jazz, que se apresentava no Centro Acadêmico de Medicina. O renascimento para a música foi nesse momento. Já formado, regressei a São Paulo, quando reencontrei o Nelson Ayres, de quem já era amigo desde Santos, e ele acabou me animando a ir para os Estados Unidos, para estudar na Berklee School of Music, em Boston. Lá eu estudei tão intensamente que mal conheci o centro Boston. Meu pai me pagou a passagem e me mandava 200 dólares por mês. Era uma dureza tremenda, mas valeu a pena, pois lá tive grandes mestres, como Joseph Viola e o Lee Konitz.

De volta ao Brasil, como se deu a profissionalização como músico?

Tendo vivido um período nos Estados Unidos, eu me ressentia muito com a pobreza musical entre nós, com a falta de uma formação mais sólida por parte dos nossos músicos. Comecei a tocar com o Nelson, no Opus 2004. Mas, paralelamente, trabalhei um ano na Prefeitura de São Paulo, como psicólogo. E a decisão de largar definitivamente a Psicologia foi sem conflitos maiores, embora a sobrevivência apenas com a música fosse difícil.

E sua relação com a Bossa Nova?

Comecei a gostar de Debussy através da Bossa Nova. Foi o Gilberto Mendes quem me explicou que a Bossa Nova pegou os acordes em Debussy. Ele, o Willy Corrêa de Oliveira e o Olivier Toni foram meus maiores mestres aqui no Brasil.

A música instrumental, de uma forma injusta, historicamente teve um papel secundário. Algo mudou neste sentido de algum tempo para cá?

Em 1979 eu fazia um solo num espetáculo da Simone, mas enquanto eu o tocava, as pessoas olhavam unicamente para a Simone. No entanto, a situação mudou bastante de lá para cá. Hoje o Sesc, por exemplo, dá grande apoio à música instrumental. Aliás, isso começou com o disco independente do Antonio Adolfo, seguido pelo movimento Som da Gente.

Conte um pouco de sua amizade com Tom e Vinicius?

Toquinho já era meu amigo desde a adolescência e com a morte do Tenório Jr, fui convidado pelo próprio Vinicius para tocar com ele, pois ele não queria colocar outro pianista no lugar do Tenório. Entrei então como saxofonista . Foi uma fase ótima. Éramos eu no saxofone e na flauta, o Toquinho no violão, o Azeitona no contrabaixo e o Mutinho, que era sobrinho do Lupicínio Rodrigues, na bateria. Quando abríamos o show, sempre havia um solo de cada músico, pois o Vinicius era muito generoso com os músicos. Fomos à Europa e fizemos um sucesso enorme tocando música brasileira.

A experiência como professor, em que fase se deu?

Desde o tempo do conservatório eu dava algumas aulas. Também em Campinas, cheguei a dar aulas de violão a algumas meninas do pensionato em que morava. O magistério tem sido uma troca muito positiva para mim. Na Universidade Livre de Música já estou há mais de dez anos. Foi a convite de uma ex-diretora de lá, a Akiko Iafuso, que me tornei coordenador da área de música popular. Mais tarde um pouco, ela e o Marcos Mendonça tiveram a idéia da Orquestra Tom Jobim, com jovens músicos, cujas idades vão dos 14 aos 20 e poucos anos, da qual me tornei maestro. Nossa primeira apresentação foi com a Elza Soares, no Festival de Campos do Jordão, em 2001. E de lá para cá tem passado pela orquestra jovens muito talentosos, músicos de primeira grandeza.

O que tem encontrado de interessante na música contemporânea?

Na música erudita temos grandes intérpretes muito jovens e na música popular outras presenças importantes, como Chico Pinheiro, Daniel Taubkin, Sérgio Santos e Rosa Passos, dentre outros nomes que ora me fogem, seguindo uma linha que vem do Jobim, do Edu Lobo, bem brasileira no jeito de fazer as composições.

Como se define em relação à música?

Eu sou uma pessoa bastante racional, mas a música já me colocou em alguns momentos espirituais importantes. Eu quero acreditar na existência de algo especial, de uma energia especial para quem lida com a criação musical ou artística, a mesma que tem, por exemplo, um pintor ao fazer um quadro num momento de inspiração.

Sobre os autores da entrevista:Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estaduaç Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

 

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