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“Regressar a casa” de Rose Tremain

Opinião

Os emigrantes de hoje em dia não são os mesmos de há vinte, trinta ou mais anos atrás. Atualmente quem emigra (o nosso país é um claro exemplo disso mesmo) leva consigo “um diploma nas mãos”, habilitações elevadas e muitas das vezes emigra sozinho. Mas, tal como Lev, o protagonista de Regressar a casa, quem deixa o seu país natal deixa-o em busca de uma vida melhor, em busca da merecida estabilidade. E, tal como Lev, leva na bagagem imagens, sabores, cheiros, momentos que ternamente (e eternamente) o amarrarão à terra que deixou, à gente que deixou, à vida que deixou para trás.

Lev é um homem na casa dos quarenta que se vê obrigado a deixar a sua Rússia natal e aventurar-se numa viagem de horas sem fim por essa Europa fora até ao destino que elegeu como aquele que lhe poderá oferecer a oportunidade que tanto necessita – elegeu Inglaterra para aí tentar encontrar trabalho e poder aí amealhar uma quantidade de libras que lhe permita enviar uma maquia mensal aos que deixou na sua aldeia e pôr algumas de lado. É esse o seu objetivo – aproveitar-se de um mercado de trabalho que ainda acolhe gente de outros países, trabalhar longas horas, ganhar o seu e regressar com os bolsos cheios ao seu país, à companhia da sua família, dos seus amigos.

As mais de 400 páginas retratam assim a jornada emigrante de Lev, mas não se ficam por aí. Deixam-nos ser como uma sombra que continuamente segue as pisadas de Lev, labuta lado a lado com ele nos vários empregos que o russo vai tendo, incentiva-o quando o cansaço e o desalento se apoderam dele e principalmente sente e partilha os seus sonhos, os seus projetos, as suas tristezas e as saudades que Lev, como qualquer emigrante desterrado num país distante, sente de uma forma assaz dorida e sofrida.

Lev é pai. É viúvo. É filho. E estas amarras sentimentais dão-lhe o alento que necessita para não desistir. Ganha vigor e segue em frente com mais ânimo e garra quando recebe um desenho ou uma mensagem simples da sua filhinha de cinco anos. Tem uma dolorosa consciência de que o seu regresso a casa não poderá ser adiado nem relegado para um futuro longínquo porque a distância quebra laços, a distância faz com que esqueçamos, com que o espaço e o lugar de quem partiu e de quem ficou pouco a pouco se vão esbatendo e talvez sendo substituídos… Por tudo isto e porque sempre deixou que o sonho comandasse os seus atos, Lev sabe que não pertence a Londres, a Inglaterra, que por muito que este país o tenha acolhido, não é a sua pátria, não é em terras inglesas que estão as suas raízes, a sua âncora. E há então que encurtar a sua passagem por terras de Sua Majestade, pois a milhares de quilómetros estão os seus, a sua filhota Maya que apela para que o seu papá volte para casa e que, sendo tão pequenina, precisa que o pai esteja a seu lado, já que não tem memórias suficientes para lembrá-lo por tempo indefinido.

É óbvio que Regressar a casa é uma obra de e sobre emigrantes. O título, a narrativa, tudo aponta nessa direção. Mas é igualmente um bom livro sobre sonhos, sobre separação, sobre saudades dos que partem e dos que ficam, sobre sofrimento e sobre a vontade que comanda a vida de qualquer pessoa que quer o melhor para si e para os seus. É igualmente uma obra que nos faz estabelecer pontes com as histórias de emigração que habitam em muitíssimas das nossas famílias e que nos faz questionar se teríamos a coragem e a garra de deixar uma vida para trás e começar outra em outro lugar, com outras pessoas, outros costumes, outra língua… Eu provavelmente não teria…

Para terminar, quero agradecer à minha amiga “gastabromas” Vera por me ter emprestado este livro (Gracias, Verinha J) e tenho que partilhar convosco a canção que, na minha opinião, melhor define a dor e saudade de um emigrante e traduz na perfeição o porquê de eu não me ver nesse papel (pelo menos não de uma forma “voluntária”). Aqui fica Para os braços da minha mãe, de Pedro Abrunhosa, com a participação de Camané (a ver se desta vez não choro):

NOTA – 08/10

Sinopse

Lev, um homem ferido pela vida, parte da Europa de Leste para a Grã-Bretanha, à procura de um recomeço para si e para a sua família. Perseguem-no as memórias dolorosas da mulher falecida, da filha de cinco anos e do extravagante amigo Rudi, que sobrevive, sonhando com o Ocidente.
Em Londres, vagueando pelas ruas hostis e pelos pubs tribais daquela estranha cidade, encontra a promessa de amizade, amor, dinheiro e uma nova carreira.

 Mas a voz da filha habita o coração e a mente de Lev, e fá-lo duvidar se conseguirá realmente pertencer a algum lugar.

Tenho medo, Papá. Quando voltas para casa? Quando?

in http://osabordosmeuslivros.blogspot.pt/

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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