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Reedição de “Memórias dum Expedicionário a França”

As “Memórias dum Expedicionário a França”, relato na primeira pessoa da vivência nas trincheiras da I Grande Guerra (1914-1918) do alferes Humberto de Almeida, são apresentadas esta terça-feira, dia 19 de junho, em Lisboa.

Este relato foi publicado pela primeira vez em 1919, e é agora reeditado pela Plátano Editora, com um prefácio do politólogo Jaime Nogueira Pinto, no qual afirma que este é “um testemunho escrito sem grandes preocupações estilísticas, uma espécie de bloco de notas ou de diário de bordo de um jovem português que foi à guerra na ‘Europa’”.

A obra “Memórias dum Expedicionário a França” é apresentada na terça-feira, às 18:00, no auditório da RTP, em Lisboa, com a participação de Nogueira Pinto, dos netos do militar, Maria de Lourdes Sá Cunha e Paulo Dentinho, diretor de Informação da RTP, do coronel Pedro Marques de Sousa, e do realizador Leonel Vieira, que prepara uma série televisiva a partir deste testemunho.

Humberto de Almeida, natural de Bragança, quando estudava na Faculdade de Engenharia do Porto, aos 20 anos, foi mobilizado para o Corpo Expedicionário Português (CEP), tendo servido na 2.ª Brigada de Infantaria, em Neuve Chapelle, em França, como oficial de ligação do Estado-Maior, com os militares ingleses, o que lhe permitiu ter estado várias vezes na linha da frente, e sempre em contacto com ela.

Sobre a sua obra, escreve o alferes Almeida: “Nestas despretensiosas páginas eu tento recordar alguns épicos arrancos da alma portuguesa na maior guerra de todos os tempos! Os cemitérios imensos com as cruzes toscas lá ficaram na Flandres martirizada a atestar o sacrifício e a abnegação de que é capaz este bom povo, quando a sua ambição é justa e o seu ideal divino!”.

No seu relato Humberto de Almeida refere-se aos soldados germânicos como “hunos”, “boches”, “canibais”, “bárbaros”, “agentes da Injustiça” e aos aliados franceses como próximos, amigos, solidários, mas quando aos aliados ingleses, faz notar Nogueira Pinto, “há alguma reserva e a constante referência ao modo ‘pirata’ ou até sobranceiro e ‘abusador’ com que os soldados de Sua Majestade tratam as populações (em contraste com o respeito e o carinho com que os soldados portugueses tratariam os locais)”.

O politólogo, que faz o enquadramento político-social da época, referindo que “a intervenção de Portugal na Grande Guerra dividiu profundamente os políticos, o Exército e o povo português”, afirma que “estas Memórias contam o dia-a-dia da guerra, descrevem rotinas, escaramuças, incursões, estados de alma, relações com os aliados ingleses e franceses e com as populações civis daquelas zonas próximas de uma terra de ninguém imortalizada em narrativas, na fotografia, e até no cinema, então nascente”.

“Na rotina do combate, o autor vai descrevendo também a sua vida quotidiana, o contacto com as famílias francesas que vão aboletando os oficiais, e com a população local, os encantos de uma curta passagem por Paris na vinda de licença a Portugal, as conversas com camaradas — quase sempre identificados apenas por iniciais — ou com homólogos estrangeiros”, prossegue Nogueira Pinto, realçando que “os portugueses adaptaram-se depressa ao modo inglês de fazer a guerra, com ‘raids’ surpresa às linhas hostis para capturar prisioneiros ou ganhar alguma posição mais interessante”.

Na realidade, como chama atenção o politólogo, esta era “uma guerra com armamento do século XX — metralhadoras, canhões, gazes, os primeiros blindados, os primeiros aviões — com estratégias e táticas do século XIX”.

“O que acontecia naquela terra da Flandres, que já vivera muitas outras guerras e batalhas, era uma espécie de massacre quotidiano cruzado, em que morriam milhares de homens para conquistar ou defender meia dúzia de quilómetros quadrados que pouco depois voltavam à primeira forma”, prossegue Nogueira Pinto.

Segundo o prefaciador, este esforço bélico português, com homens “sem equipamentos minimamente adequados”, até abril de 1918, na Europa, custou 1.044 mortos, mais de 4.000 feridos e gaseados, e cerca de 200 prisioneiros e desaparecidos. O armistício foi assinado em novembro desse ano e, além do território europeu, as tropas portuguesas intervieram em Angola e em Moçambique, em defesa dos então territórios ultramarinos, vizinhos das colónias alemãs da Damaralândia (Sudoeste Africano) e do Tanganica.

Se “houve grandes dúvidas quanto à necessidade e utilidade do envio de forças para a frente europeia na Flandres”, o envio para territórios africanos “foi pacífico”, no seio da sociedade portuguesa da época, afirma Nogueira Pinto.

Humberto de Almeida, depois do conflito armado, fez o Curso Especial de Infantaria na Escola Militar do Exército e, em 1924, retomou os estudos na Universidade do Porto onde se licenciou em Ciências Físico-Químicas e em Engenharia Químico-Industrial, tendo optado pela carreira académica, jubilou-se em 1966, como professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

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