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Eu pintei a capa do teu livro

Conheci o Joaquim Tenreira Martins em Bruxelas, perto da Place Flageay, onde se encontra a estátua de Fernando Pessoa.

Nessa altura expunha os meus quadros na Galerie Pappilia, situada ao meio da rue de la Brasserie, perto dessa mítica praça, onde se encontram cafés e restaurantes portugueses e até um consultório de um médico de nacionalidade portuguesa.

Ainda não havia muito tempo que tinha chegado à Bélgica, mas tinha a sensação de ter vivido neste país numa vida anterior. Tudo me parecia fácil. Os belgas apreciavam as cores calorosas dos meus quadros e reencontravam nas minhas pinturas cantos e recantos do meu Estoril natal ou da minha adotiva cidade de Lisboa, e era um motivo de diálogo e de troca de impressões que, por vezes, se concretizava na compra de um ou outro quadro.

Logo no primeiro dia em que encontrei o Joaquim, como agora lhe chamo, conversámos muito, mas nada sobre pintura. À medida que ia falando do meu percurso migratório, ia-se passeando na galeria. Não me fez qualquer pergunta sobre os numerosos quadros ali expostos, mas observa-os com a maior atenção. Com algumas rugas e os seus cabelos grisalhos, percebi-o quase como um pai afetuoso e atento às prováveis banalidades que eu estava dizendo. Ao apertar-me a mão de despedida, prometeu-me um artigo sobre a minha pintura, sendo para mim uma surpresa, até mesmo para a compreensão da minha própria pintura. Depois mostrou-me os seus escritos, os seus livros e quis associar-me àquele que ia publicar brevemente – o “Rostos da Emigração”.

Rostos! O título despertou-me logo a atenção! Rostos, pintei eu centenas e, ao ler o livro, ainda na versão francesa, a sua escrita sensibilizou-me, verdadeiramente.

Ao começar a pintar aquilo que seria depois a capa para o livro senti como que um momento de inspiração e as minhas mãos levaram-me instintivamente a procurar os pincéis e as cores impuseram-se a mim próprio. Pintei depois um rosário de rostos, o meu, o do autor, o de pessoas que aqui conheci e também o dos meus amigos que tiveram de deixar o nosso país. Poderia ainda ter colocado outros. Mas na pintura deste quadro, uma mão invisível ia desenhando os rostos com traços bem pronunciados e as cores eram de mágoa e de sofrimento, mas ao mesmo tempo de alívio porque todos os personagens caminhavam e iam peregrinando para melhores terras, em busca de melhores dias. As cores foram de tons carregados, como carregados eram os rostos que eu li no livro de Joaquim Tenreira Martins. Ao mesmo tempo, eram rostos que caminhavam, que estavam à procura de trabalho, de felicidade, de amor. Também eu próprio procuro e não paro de caminhar e de mostrar a todos a minha pintura.

Agora percebo melhor o seu antigo trabalho na Embaixada. Fala comigo, interessa-se, tenta compreender, às vezes com uma só palavra afirmativa, ou interrogativa, ou de simples admiração, orienta-me para outros horizontes. Não se impõe. Olha para os meus quadros como olharia certamente para os personagens do seu livro ou para as pessoas que recebia na Embaixada. Tenta compreende-los sem colocar muitas questões. Um quadro é uma personagem que eu, como pintor, tento explorar. Um quadro é também um rosto e ambos são fonte inesgotável de energia. Ambos fazem-nos companhia e ajudam-nos a viver melhor.

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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