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Perdoai-nos as nossas ofensas

Agostinho Pançudinho considera-se a si mesmo uma excelente pessoa.

Vai à missa todos os domingos, e farta-se de sacudir o peito, “por minha culpa, minha tão grande culpa”, confissão totalmente desnecessária, pois Agostinho Pançudinho é, segundo a análise que faz de si mesmo, uma excelente pessoa.

Mesmo assim, pede a todos os da hierarquia divina, desde cima para baixo, a Virgem Maria, os anjos e os santos, e a todos os irmãos, que o mantenham afastado de todas as tentações, não vá o diabo tecê-las.

Agostinho Pançudinho é um homem justo, honesto, e amigo do seu amigo. Tão justo e tão honesto, que não pode, não aceita, muito menos perdoa ou desculpa, quem não seja justo ou honesto consigo. 

Fazemos tais afirmações plenamente convictos do que aqui estamos prontos a revelar, porque ainda agorinha mesmo lhe ouvimos um desabafo com o Vitorino, que desabafo sendo, quase nos pareceu uma espécie de confissão.

“Olha Betorino, – disse logo após ter limpado os beiços com a manga da camisola, assim que pousou a caneca de vinho tinto no tampo da mesa, – não lhe perdoo. Podes escrever o dia que é hoje. Andou prá aí a dizer que eu falei mal dele a todo o mundo, inclusive foi dizer ao meu falecido paizinho, que Deus lhe perdoe, que a minha mulher não passava de uma leviana…”

– e só por ter pronunciado esta última palavra, foi como se lhe tivessem incendiado os fígados com línguas de fogo. Talvez por isso, num ímpeto de raiva que não conseguiu conter, atestou um murro na mesa, que fez estremecer a caneca, qual tufão que por ali tivesse passado.

Vitorino, mais pacato e menos crente nestas coisas da igreja, mesmo assim ainda tentou deitar alguma água na fervura.

“Ora compadre, deixe lá isso. As pessoas nem sempre dizem o que lhes vai na alma de verdade. E de mais a mais, é seu irmão, carago…”

“Nem irmão, nem meio-irmão. Não lhe perdoo.”

E não perdoa mesmo.

Dizem alguns… que tem as suas razões. E para o justificarem, mandam-nos com frases feitas, que não deixam de ter a sua importância. “Quem não se sente, não é filho de boa gente.”

Está-se a chegar o Domingo, e Agostinho Pançudinho não falha as suas obrigações dominicais. Há de se benzer sempre que passar em frente do altar, e nunca lhe há de virar as costas sem mais uma benzidela, por rápida que seja. 

Há de fazer o sinal da cruz ao entrar na igreja para a missa de Domingo, e o sinal da cruz há de fazer mesmo antes dela sair. Pelo meio, durante a celebração há de rezar a Ave Maria, o Credo, a oração da vinda do Espírito Santo, e a mais importante de todas as orações, aquela que foi ensinada pelo filho de Deus, o Pai Nosso. “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido…” 

Agostinho Pançudinho há de fazer e dizer tudo isto, mas não lhe peçam que perdoe o seu próprio irmão, só porque é seu irmão. Não pensou nisso quando o ofendeu, ofendendo a sua mulher, aquela que é para si a sua cara-metade, a sua alma gémea, a sua mais que tudo.

Deus que lhe perdoe se quiser, mas não venham agora exigir de Agostinho Pançudinho aquilo que lhe é impossível de fazer, quando as feridas continuam abertas e a sangrar.

“Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido…”

Porra, não levem tudo tão à letra. Um homem não é Deus…

E… não vamos também esperar agora que seja Deus a fazer tudo. Há coisas que nós podemos muito bem fazer por Ele. Aliviar-lhe um pouco a carga, por assim dizer, porque no que respeita a julgar os outros, nem Deus nos parece assim tão bom, como qualquer um de nós. 

Pai Nosso que estais nos Céus… Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós somos incapazes de perdoar a quem nos ofende…

Boa Páscoa!

Antonio Magalhães

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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