
Uma das muitas contradições das posições da extrema-direita portuguesa foi expressa pelo deputado eleito pelo círculo de fora da Europa, quando disse que o resultado das eleições nos círculos da emigração é a prova que os portugueses nas comunidades querem “um Portugal para os Portugueses”.
A declaração é absurda e vinda da boca de um emigrante no Brasil é mesmo desconcertante. Nada de novo. E nada de novo também que a este partido de extrema-direita tudo seja admitido e aceite sem o menor sentido crítico. É assim que os fascismos fazem o seu caminho. Veja-se o caminho para a autocracia que Donald Trump está a fazer nos Estados Unidos para perceber o que pode acontecer noutros países.
Se uma tal declaração fosse aplicada na realidade, estaríamos perante uma negação de toda a história da emigração portuguesa. E a emigração portuguesa faz parte integrante da identidade nacional forjada ao longo de séculos. Portugal é um país de emigrantes e agora surge na vida política portuguesa um partido que se afirma e cresce de maneira muito perigosa para a democracia com base numa propaganda agressiva contra os imigrantes.
O deputado em causa é emigrante no Brasil. O Brasil, um país de dimensão continental que fala a língua de Camões, porque os portugueses o colonizaram até à sua independência, em 1822. Desde logo, não poderia haver a língua portuguesa que agora é a quinta mais falada no mundo e em todos os continentes. Mas depois, também, por esta lógica, o Brasil independente seria apenas para os brasileiros. Do mesmo modo que a França seria só para os franceses, os Estados Unidos para os americanos, a Suíça só para os suíços e assim por diante, até ao infinito. Sim, até ao infinito, porque as migrações fazem parte da história da humanidade. As nações construíram-se todas nas migrações dos povos de um lado para o outro, de um continente para outro.
A história das migrações confunde-se com a história da humanidade, tanto dos processos de desenvolvimento como das guerras, em que pessoas de muitos países foram combater contra os inimigos comuns, como aconteceu durante as duas guerras mundiais que a Europa conheceu.
E também porque as pessoas, no seu direito humano, procuram países que lhes possam proporcionar as condições que não encontram no seu. Foi isto que aconteceu com milhões de portugueses, incluindo com os que foram para o Brasil em busca de uma vida melhor, como o deputado em causa, onde muitos enriqueceram e trouxeram riqueza para o seu país de origem.
Por isso, os deputados do Chega que dizem este tipo de coisas de nacionalismos idiotas, não apenas não sabem o que dizem, como estão a negar a sua própria história. Mas, infelizmente, é o que temos hoje: um partido extremista cheio de contradições e paradoxos, que não tem pudor nem vergonha de espalhar o veneno do racismo e da xenofobia contra aqueles que fazem Portugal funcionar e que são fundamentais para o nosso desenvolvimento. Do Chega não se pode esperar nem respeito nem bons sentimentos. Mas do país espera-se respeito pela dignidade humana que está por detrás de cada imigrante, o mesmo que sempre exigimos para cada português emigrado.
Paulo Pisco
Ex-deputado do PS