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O grande Mestre da literatura

E agora, é caso para perguntar… por onde anda você senhor Saramago?

José Saramago nasceu a 16 de Novembro de 1922 em Azinhaga, Portugal. Faria 96 anos de idade. Faleceu a 18 de junho de 2010.

O meu gosto pela leitura e pela escrita começou muito cedo. De facto, teve início na barbearia do senhor Oliveira Guarda, um oficial da GNR reformado, que tinha habilidade para cortar cabelo.

Quando se fala em habilidade, exclui-se desde logo o profissionalismo. Por isso, quando falo na barbearia do senhor Oliveira Guarda, um misto de sentimentos e recordações provoca-me esta espécie de formigueiro na barriga e um leve calor nas faces, porque a eles associados está uma saudade de tempos, pessoas, e momentos que já não fazem parte deste mundo, e ao mesmo tempo, uma espécie de pesadelo relacionado com os cortes de cabelo resultado das habilidades do senhor Oliveira Guarda.

O senhor Oliveira se não tivesse sido barbeiro, trabalharia na olaria, uma vez que desenhava malgas na cabeça de quantos se submetiam aos seus cortes de cabelo. Eu era um deles, e isso era o meu maior pesadelo. Mas vistas bem as coisas os cortes não eram assim tão maus não fosse o senhor Oliveira estar fora de tempo, uma vez que, com um jeitinho aqui, um jeitinho ali, passados mais de quarenta anos os cortes de cabelo do senhor Oliveira, dessa época, são agora moda.

De maneiras que, pouco tempo depois de eu ter iniciado a escola primária, um dia, enquanto esperava que o meu irmão, submetido ao pesadelo do corte de cabelo do senhor Oliveira, acabasse de ser torturado, o meu pai no meio da barbearia, disse.

“Já sabe ler.”

E como ao dizer isto inclinou a cabeça na minha direção e deu uma piscadela de olho, eu percebi que se referia a mim. Depois espetou-me o jornal que estava pousado no parapeito de uma janela larga, nas mãos, e eu com esse jornal a cobrir-me metade do corpo de criança que era, por detrás das folhas desatei a ler um paragrafo de uma assentada, sem gaguejos, sem dificuldades, sem tropeções. Valeu-me a peripécia uns quantos rasgados elogios por parte de todos quantos se encontravam na barbearia à espera de vez para o desenho das suas malgas pessoais na cabeça.

A partir daí foi sempre a progredir. Uma coisa tão simples como um pequeno, grande, elogio, e um despertar de um ego virado para o gosto pela leitura.

Primeiro foram os livros de banda desenhada. O tio Patinhas, o pato Donald, o Pateta, o Urtigão, o Cebolinha, o Cascão, a Mónica, as aventuras de Astérix e Obélix e muitos outros. Depois vieram as histórias dos cinco, e as aventuras de Guilherme.

A seguir, com a ajuda do professor Gouveia, no ciclo preparatório, e com a sua influência, cimentava em definitivo a minha paixão pela leitura com Branquinho da Fonseca, Soeiro Pereira Gomes, Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis, entre muitos outros.

Depois veio um período de algumas obsessões. Livros de ficção científica, Buracos negros, O Fim do Universo? Ovnilogia etc. Na política, a biografia de Lenine, Tarrafal, Álvaro Cunhal, e em filosofia política, A Sagrada Família, de Karl Marx e Friedrich Engels.

Na ficção policial, Agatha Christie, Sherlock Holmes e Perry Mason.

Até que… um dia… Memorial do Convento, José Saramago.

Pouco mais de meia dúzia de folhas depois… o fascínio a crescer ao virar de cada página.

Quem é que escreve assim de uma maneira tão fascinante, a quebrar regras de pontuação, exclamações, pontos de interrogação, diálogos, perguntas e respostas sem nada que as assinale, apenas uma destreza, um estilo único, um saber que vem de dentro da alma de um mestre na arte de contar histórias.

Aos 14 ou 15 anos de idade escolhi a banda dos Britânicos Pink Floyd como sendo a minha banda favorita, muito embora goste de música em geral. Aos 17 ou 18 anos escolhi José Saramago como meu escritor favorito, e continuo a gostar de literatura em geral. Aprendi nos últimos anos a gostar de António Lobo Antunes.

A partir da narração da construção de um convento, a subtileza de narrar factos históricos em paralelo com uma fantástica ficção estrategicamente misturada entre o imaginário da história em detrimento do plano da história. Uma critica dura, mas verdadeira à monarquia Portuguesa no tempo de D. João V e a rainha D. Maria Ana, num enredo narrado de forma soberba, onde vão entrar no decorrer da história, Blimunda Sete Luas, moça vidente que vê as vontades das pessoas, e Baltasar Sete Sois, um humilde soldado dispensado da guerra de sucessão espanhola, a quem o padre Bartolomeu de Gusmão confia a construção de uma passarola enquanto o padre retorna para Holanda.

Uma obra-prima sem igual.

Depois, logo a seguir, a Jangada de Pedra. A separação da Península Ibérica numa série de acontecimentos sobrenaturais, que vão levar a Península à deriva pelo Atlântico. Joana Carda e a vara de negrilho, Joaquim Sassa e o arremesso de uma pedra ao mar, José Aniço e os estorninhos, Pedro Orce e o tremor de terra, Maria Guavaira e o fio de lã… e uma vez mais a mestria de entrelaçar todos estes enredos, desenvolvê-los e criar uma história fascinante da qual o maior problema ainda é ter que pousar o livro para continuar na próxima quando o cansaço ou os afazeres assim o exigem.

O Homem Duplicado, O Ensaio sobre a Cegueira, O Ensaio sobre a Lucidez, Levantado do Chão, Claraboia, Caim, O Evangelho segundo Jesus Cristo, O Ano da Morte de Ricardo Reis, etc. etc.

E agora, é caso para perguntar…por onde anda você senhor Saramago? Recuso-me a aceitar que depois do “Ser” deixar o corpo do qual precisou para viver esta experiência no único mundo que conhecemos, tudo acabe assim tão estupidamente. Então e as alegrias, os sentimentos, as tristezas, as conquistas e as derrotas, a genialidade e a estupidez. O sofrimento, o amor. Foi tudo em vão?

Por onde anda o senhor? Sou obrigado a por um ponto de interrogação porque não quero de maneira nenhuma que me acusem de plágios, porque também não tenho a mestria que o senhor tinha para ser original e único, e por esse motivo, por essa admiração e por esse respeito só me apraz perguntar uma vez mais…Por onde anda o senhor? Poderemos confiar na tal “Partícula de Deus” e continuar a jornada numa outra dimensão? Creio que sim.

Até um dia destes.

 

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