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O Brexit e as questões fiscais

O referendo do Brexit, de 23 de Junho de 2016, causou uma reacção em cadeia em todas as dimensões da sociedade, abalando, também, o quadro fiscal e jurídico, com impacto imediato na economia, promovendo-se uma aura de incerteza em face da falta de acordo em relação a um conjunto diverso de questões. Os desenvolvimentos decorrentes das negociações obrigam, agora, a uma cuidada monitorização da sua evolução, de forma a procurar aferir e antecipar o impacto causado pelo Brexit, à luz da matriz das estratégias de saída que podem ser adoptadas no Reino Unido e na União Europeia e, particularmente, do Acordo de Transição e do Acordo de Saída.

Com efeito, mesmo após a aprovação, a 25 de Novembro de 2018, do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte pelo Conselho Europeu, e do Acordo de Transição permanecem avultadas incertezas, mormente em face do lento desenrolar da aprovação pelo Parlamento britânico das medidas que ambos os acordos encerram e, bem assim, da premente possibilidade de uma saída sem acordo (No-deal Brexit).

Por conseguinte, confirmou-se o inicialmente, expectável árduo processo de negociação, devido, por um lado, à necessidade em determinar os direitos adquiridos de um largo número de cidadãos britânicos, que residem noutros Estados-Membros e de cidadãos europeus residentes no Reino Unido, e, por outro, face à necessidade de minimizar o impacto económico sobre investimento transfronteiriço, a que vieram a acrescer outras questões e dificuldades, tais como as relacionadas com a Irlanda do Norte.
Devido aos múltiplos riscos decorrentes do Brexit, considera-se oportuno fazer um ponto de situação e a avaliação do risco actual.

Neste contexto, Portugal foi considerado o quarto país mais afectado pelo impacto do Brexit, dentro da União Europeia, sobretudo devido às exportações para o Reino Unido, ao número elevado de emigrantes portugueses no Reino Unido (e vice-versa), e à posição em que Portugal se encontra para suportar as consequências macroeconómicas que são expectáveis.

Torna-se, assim, oportuno a consideração do impacto causado pelo Brexit à luz das principais estratégias de saída que são equacionadas pelo Reino Unido e pela União Europeia, a saber: o impacto na tributação e nos investimentos entre o Reino Unido e Portugal, nos trabalhadores e pensionistas transfronteiriços em cada um desses países, bem como as oportunidades oferecidas pelo regime fiscal português.

AS ESTRATÉGIAS DE SAÍDA E OS QUADROS LEGAIS SUBSEQUENTES

Primeiro, antecipava-se que a saída pudesse ter por base o acordo de Noruega, no qual o RU continua a ser parte da European Free Trade Association (EFTA) e da European Economic Area (EEA), mantendo, desta forma, muitas das vantagens inerentes à União Europeia, designadamente, os acordos de comércio livre, o Mercado Único e o seu quadro de regulação, bem como as liberdades fundamentais que caracterizam a União Europeia. Porém, esta solução não encontrou devido eco nas preocupações políticas no Reino Unido sobre a União Europeia.

Em segundo, ponderava-se, também, a hipótese de ser acordado um acesso mais específico ao Mercado Único, como acontece com a Suíça. Contudo, este acordo revelar-se-ia menos atractivo para a União Europeia.

Terceiro, uma União Aduaneira poderia ser criada e moldada à semelhança do acordo já existente entre a União Europeia e a Turquia.

Por último, colocava-se e coloca-se a hipótese de o Reino Unido poder confiar, até certo ponto, na sua rede, já existente, de Convenções de Dupla Tributação e das regras e dos acordos, relacionadas com a World Trade Organization (WTO) e a General Agreement on Tariffs and Trades (GATT).

Eventualmente, poderão ser negociados acordos de investimento bilaterais entre o Reino Unido e a União Europeia, através da Comissão Europeia.

Em qualquer dos modelos apresentados, ponderou-se, e certos sectores desejavam-no, a possibilidade de o Reino Unido continuar a beneficiar da liberdade de circulação de capitais, como ainda, das decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, de modo a proteger os investimentos com origem em países terceiros (o que se conseguirá alcançar, ainda que apenas temporariamente, caso seja aprovado o Acordo de Transição).

A TRIBUTAÇÃO DE DIVIDENDOS, JUROS E ROYALTIES

A Convenção para evitar a Dupla Tributação em vigor entre o Reino Unido e Portugal não concede o mesmo efeito de eliminação de tributação que é atribuído pelas Directivas Europeias em matéria de impostos directos, e que são aplicadas, principalmente, aos grupos de empresas, permitindo ainda a retenção na fonte de impostos que incidem sobre o pagamento de dividendos (15% ou 10%), juros (10%) e royalties (5%).

Destarte, empresas com investimentos transfronteiriços poderão querer rever a sua estratégia actual e determinar o risco potencial e o impacto dessa mudança com o propósito de eliminar ou de atenuar a dupla tributação internacional.

Por outro lado, Portugal permanece como um país atractivo à realização de investimento, ao permitir que as empresas possam beneficiar do regime de participation exemption que deverá, sem mais, ser aplicável aos lucros e reservas distribuídos por uma entidade residente em Portugal, uma vez que a Convenção para evitar a Dupla Tributação em vigor entre os dois países permitirá, também, a aplicação do referido regime.
Além do mais, com ou sem Brexit, uma empresa sediada em Portugal pode optar por excluir os lucros e as perdas de um seu estabelecimento estável que tenha no exterior, podendo, assim, separar os lucros provenientes do estrangeiro e os lucros nacionais, para efeitos de tributação.

AS FUSÕES, CISÕES, ENTRADAS DE ACTIVOS E AS PERMUTAS DE PARTES SOCIAIS

A Directiva das Fusões, que impede a constituição de obstáculos fiscais, dentro da União Europeia, é aplicável a empresas que procedam a uma sua transformação, mas poderá já não ser aplicada pelo Reino Unido.

O regime especial português de neutralidade fiscal, por seu lado, aplicável às fusões e às entradas de activos, em sentido semelhante ao que a Directiva, também, promove, está limitado a empresas sediadas na União Europeia.

AS PERDAS TRANSFRONTEIRIÇAS

A fragmentação da possibilidade de dedução de prejuízos, ainda existente, para as empresas é um desafio actual, mas o pequeno progresso feito, através de várias das decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, irá desaparecer com o Brexit. Aliás, o Reino Unido é um dos Estados visados por algumas das decisões mais emblemáticas quanto a esta matéria (Marks & Spencer).

Este panorama poderá mudar caso a conhecida Directiva relativa ao Common Consolidated Corporate Tax Base (CCCTB) vier a ser introduzida, embora a matéria seja bastante controversa entre os Estados-Membros.

Esta Directiva irá conceder às empresas um quadro legal comum para calcular os lucros e as perdas entre os Estados-Membros da União Europeia e, eventualmente, os Estados-Membros da EFTA/EEA, permitindo desta forma, e particularmente, a transferência de lucros e perdas que as empresas têm em diferentes Estados-Membro. Entendemos que nos termos do Acordo de retirada, termos que ainda se encontram pendentes de aprovação pelo Parlamento britânico, o Reino Unido poderá, após o término do período de transição, deixar de beneficiar do desenvolvimento a ocorrer no direito fiscal da União Europeia.

A UNIÃO ADUANEIRA

Uma outra característica, principal e de longa data, da tributação na União Europeia, decorre da União Aduaneira, da qual o Reino Unido também deixará de beneficiar, a não ser que venha a entrar num acordo especial com a União Europeia. Se este acordo não for alcançado, o Reino Unido confiará certamente nas normas e regulamentos provenientes da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT).

OS TRABALHADORES TRANSFRONTEIRIÇOS E PENSIONISTAS

Espera-se que as pessoas, já residentes no Reino Unido ou em outros Estados-Membros da União Europeia, sejam o foco de protecções especiais, mormente no quadro da cidadania europeia, nos termos do Acordo de Retirada.

Esta matéria tem sido objecto de intensas negociações no quadro do Acordo de Transição. Contudo, ao não ser imposta a jurisprudência da União Europeia ao Reino Unido, os trabalhadores transfronteiriços podem perder certos benefícios decorrentes da jurisprudência da União Europeia, em matéria de deduções pessoais. Não é, pois, claro se a jurisprudência da União Europeia vai, de imediato, deixar de influir na legislação do Reino Unido, na medida em que apenas com a aprovação do Acordo de Transição será possível beneficiar, durante o período de Transição, da jurisprudência firmada da União Europeia.

O regime dos Residentes Não Habituais existente em Portugal, destinado a atrair profissionais qualificados, pessoas com elevado valor líquido e pensionistas estrangeiros, ganha agora um interesse renovado. Os Residentes Não Habituais são indivíduos que se tornam residentes em Portugal e que, durante os cinco anos prévios ao seu registo enquanto residentes, não estavam domiciliados, para fins fiscais, em território português; concedendo-lhes um regime fiscal, indiscutivelmente, vantajoso de isenções várias no âmbito do imposto sobre o rendimento.

O Brexit poderá desencadear, ainda mais, interesse pelo regime dos vistos gold portugueses, dirigido a pessoas interessadas em obter uma licença de residência em Portugal, através de actividades de investimento, nomeadamente no imobiliário, e de transferências de capitais ou criação de trabalho.

A DIRECTIVA ANTI-ABUSO E DIRECTIVAS RELATIVAS A TROCA DE INFORMAÇÕES

Com a saída do Reino Unido da União Europeia, também um conjunto de Directivas deixará de se impor, bem como um universo de medidas promovido pela União Europeia. Ainda assim, em especial no que respeita aos regimes de troca de informações para fins fiscais, algumas dessas medidas poderão ser substituídas pela Convenção Multilateral relativa a assistência administrativa mútua em matéria fiscal.

O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

No que tange à temática do Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo baseado numa Directiva Europeia, o Brexit poderá motivar, também, a saída do Reino Unido do sistema do IVA.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA

No que respeita à influência, por fim, do Tribunal de Justiça da União Europeia, cuja jurisprudência tem significativo impacto, esta poderá subsistir de forma transitória, mas a questão permanece em aberto, em face de uma iminente saída sem acordo (ao abrigo da qual o Acordo de Transição não entrará em vigor e, como tal, nenhuma das medidas de transição aí previstas serão aplicadas).

Por sua vez, a Comissão Europeia pretende que o Tribunal de Justiça da União Europeia mantenha plena jurisdição sobre os casos pendentes, mas, também, em certas circunstâncias sobre casos futuros, durante o referido período de transição.

De facto, e nos termos e para os efeitos do Acordo de Transição existirá um limite temporal, após o término do período de Transição, para continuar a reenviar questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia (quatro anos para matérias de tributação indirecta e de cinco anos para matérias que versem a assistência mútua em matéria de cobrança de créditos fiscais).

CONCLUSÃO

Indivíduos e empresas que se envolvam em transacções entre o Reino Unido e Portugal têm, ainda, questões, jurídicas e tributárias, pendentes, cuja incerteza é, hoje, a única certeza.

O impacto económico decorrente do Brexit continua a trazer consigo um forte sentimento de urgência de clarificação, até pela cada vez mais forte perspectiva de ausência de um Acordo.

Todavia, e no que concerne à relação luso-britânica que remonta a 1373 (através da assinatura do Tratado Anglo-Português), esta deverá prosperar e sair renovada com a saída do Reino Unido da União Europeia.

Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Rita Arcanjo Medalho
Catarina Almeida Andrade
Pedro Campo Peres
(Corporate & International Tax team)

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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