As naus periféricas e teimosas
inventaram hemisférios,
romperam ventos e cabos e finisterras,
fundearam em praias e baías
numa oferenda gulosa e lasciva
aos santos todos do calendário,
deram nomes ao xadrez dos dias,
riscaram o mundo e recortaram
as terras e os mares
em gomos de laranja,
foram roubar o tempo
da gaveta universal
e dividiram o dia
que sempre nasce inteiro.
Mas afinal quem concebeu
os homens à sua imagem
e lhes deu uma cor diferente?
Quem dividiu as águas
e apartou os oceanos ?
Quem empurrou o mundo
para este braço da Via Láctea,
pôs tudo isto a rodopiar,
puxou o cordel original
do insondável pião galáctico
e extraviou os berlindes coloridos
na toalha negra imensa ?
Que ninguém una o que nasceu separado,
avisa o novo adamastor.
Novas naus cruzam os céus
em busca do sentido de tudo isto
para explorar as migalhas que restam
do piquenique original,
como se uma explicação fosse precisa
para a perfeição que não existe.
JLC