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Multi-culturas: o bacalhau na união da Turquia e do Brasil no Porto

Há situações que nos demonstram de forma clara a matéria de que a humanidade é feita. E essa matéria, próximo das palavras de Shakespeare, é o sonho de cada um, o sonho que dá forma à sua própria existência.

Depois de um jantar de sushi na véspera, hoje decidi procurar comida portuguesa. Estou no Porto e essa tarefa não se apresentava difícil. Saído da Universidade Lusófona, subi aos restaurantes da Batalha. O primeiro, mais juntinho ao Teatro de S. João, ostenta na vitrina “Cozinha Portuguesa”. Sem dúvida alguma, entrei.

Sentado numa mesa no interior, onde agora escrevo este texto, vejo na parede lateral uma imagem gigante, de montanha, com o título ” Uludag”. Não tenho qualquer dúvida, é turco (dag = montanha). E sim, quem me vem perguntar o que como tem um sotaque que pouco enganaria o cliente mais distraído. Só aí noto que o restaurante se chama Kapadokya (Capadócia).

No Porto há uma sólida comunidade de turcos, muitos deles com uma relação complicada com a actual Turquia. Na Universidade Lusófona já assinamos um protocolo com uma associação de imigrantes turcos. Adoram a sua terra, mas os desvios mais religiosos nem sempre são desejados por toda a população.

Chegada há dois meses, quem me serve um opíparo bacalhau é uma jovem brasileira da Bahia. Fala do frio que teve em Fevereiro. Fala do clima religioso nesse Estado tão marcado pelo Candomblé e pela Umbanda.

Entre os clientes, há um casal brasileiro. Ela, meio “pirua”, mostra a mala de marca e, quando vai ao ” banheiro”, refere à empregada que traz a mala por hábito do Brasil… medo do roubo. O marido, ostenta um boné com a bandeira Lusa. Ao ir, no final, ao ritual do chichi antes dos passeios da tarde, pergunta pela “casa de banho “…. Será um português há muito migrado para o Brasil? O antigo imigrante regressa em passeio àquele que é agora o destino dos seus novos conterrâneos. É assim a troca constante da demografia e dos anseios de cada indivíduo. Todos damos e todos recebemos.

Em Portugal sempre fomos poucos. Continuamos a ser escassos para os nossos sonhos (e somos de menos para pagar impostos… precisamos de gente que trabalhe!). Um turco e uma brasileira vendem ao turista comida portuguesa, aculturando-se e difundindo uma cultura que, nesse momento, já é tão sua como minha. Ao menos, eles tomaram a iniciativa e criaram o seu comércio, sem praguejar contra o Estado. Felizmente, esta minha cultura já é mais deles que dos meus concidadãos nativos que preferem invectivar contra a migração.

Sim, dizem que temos muitos imigrantes. De forma muito fria, quase maquiavélica, temos de os ter porque somos de menos para os nossos sonhos, para criar riqueza, para sustentar a Segurança Social, etc, etc, etc. No computo geral, os imigrantes já fazem com que a Segurança Social tenha um saldo positivo… Sem eles, eu nunca viria a ter reforma – tal como os radicais que os que os apontam como um mal.

Mas mais, Portugal sempre foi esta mistura de gentes. O nosso ADN comprova-o, assim como a nossa cultura e o constante e transversal desejo de ir pelo mundo. Essa será uma parte importante da nossa identidade.

Já agora, o bacalhau neste restaurante de um turco, servido por uma brasileira, era muito bom. Regressarei.

 

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