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Judith Thompson: teatro e comprometimento social

Um dos nomes mais importantes e premiados da dramaturgia canadense contemporânea, Judith Thompson teve sua peça Palácio do Fim encenada no Brasil, em 2011, com direção de José Wilker e atuações de Vera Holtz, Camila Morgado e Antonio Petrin. Ex-atriz, é também professora de Artes Cênicas, na Universidade de Guelph, no Canadá. Por duas vezes, recebeu o The Governor General’s Award. Pelo conjunto da obra foi agraciada com a Order of Canada. Palácio do Fim, seu maior sucesso, foi laureada com o Dora Award, o Susan Smith Blackburn Award e o Amnesty International Award for Freedom of Expression. Propõe, como ativista e defensora dos direitos dos animais, uma nova ética em relação a nossos companheiros de caminhada neste planeta.

Você se formou em Letras pela Queen’s University e em Artes Cênicas pela National Theatre School of Canada e teve uma breve carreira com atriz. Quando sentiu que escrever para teatro era o seu destino?

O que mais me estimulava na escola de arte dramática eram as aulas de máscara e improvisação. Eu adorava escrever meus próprios monólogos. Porém, não imaginava que poderia escrever para teatro.

Pode dizer como inicia seu texto? Você segue alguma regra ou há alguma superstição para iniciar seu trabalho de escrita?

Eu preciso ter uma questão ou ideia central. Eu gosto de escrever monólogos. Pois ao escrevê-los, conheço os personagens mais profundamente.

Seu trabalho enfatiza o lado negro e sórdido do ser humano, especialmente em Palácio do Fim. A crueldade humana é sua preocupação central?

Quando eu escrevo, me sinto uma correspondente de guerra. É como se eu estivesse na linha de frente do comportamento humano. Não posso recuar, simplesmente por não aceitar a atitude ou o comportamento do personagem. Preciso mostrar para o público quem somos e o que temos criado.

Percebemos que a sua criação é meticulosa e sensível. Os monólogos de Palácio do Fim, por exemplo, refletem com profundidade a alma dos personagens, assim como um profundo realismo. Antes de escrever Palácio do Fim, você encontrou pessoas que vivenciaram situações semelhantes às relatadas na peça?

Sim, muitos iraquianos que assistiram à peça ficaram satisfeitos por eu haver contado histórias verídicas. Eu acredito que David Kelly, à sua maneira, representa o público de classe média. Nós conhecemos a verdade, nós não atuamos, nós nos odiamos. Ele realmente atuou e isto custou sua vida. É disso que temos medo. Em Edinburgh, muitos americanos ficaram furiosos por eu ter mostrado o que foi a soldada das Forças Armadas Americanas, Lynndie England.

Você tem a coragem de trazer a voz do oprimido, que por vezes é distante da realidade canadense. Quando despertou para os problemas sociais do mundo? E que contribuição sua arte pode trazer para aqueles que sofrem e clamam por justiça?

Acredito que a tarefa do dramaturgo é dar voz para aqueles que não a tem. E isso começou com a minha primeira peça The Crackwalker, na qual dou voz aos white trash, como rudemente são chamadas as pessoas brancas que vivem em cidades pequenas do Canadá e que recebem assistência social do governo. Essas pessoas são rejeitadas, degradadas, degeneradas, vivem numa total ignorância e pobreza, passando de geração em geração. Nós temos orgulho pela mobilidade de classes sociais, mas, na verdade, não há muito espaço no topo da pirâmide.

Bernard Shaw dizia que lutava para fazer um teatro não panfletário, sem sermões, que não fossem tratados, mas simples peças teatrais. Ele achava o método dramático muito eficiente para despertar consciência àqueles que vão ao teatro, no lugar de ficarem em casa com os seus livros de reza. Qual a extensão do teatro em nossa sociedade? O que dizer da ideologia religiosa? Você concorda com Bernard Shaw sobre a consciência desperta pelo teatro, muito maior do que a das igrejas?

Concordo. Eu cresci na religião católica, que me decepcionou profundamente, com sua homofobia, sexismo, tirania e o inegável fato de que é a criação de um grande conto de fadas para manter o pobre sempre pobre e a mulher sempre diminuída. Entretanto, eu gosto da cerimônia, dos vitrais do louco imaginário (corações sangrando! da concepção Imaculada! cruzes!) e a ideia do ato de fé, sem qualquer questionamento. Acho curiosa também a atitude de pessoas que tiram uma hora por semana do seu tempo para, na presença de outras pessoas, pensar sobre o bem e o mal ,o certo e o errado, mas num sentido verdadeiro e não religioso.

Como vê a mídia sensacionalista tão em voga em nossos dias?

A maior parte da mídia reflete a nossa necessidade superficial básica. Se nós compramos as revistas People e US, eles continuarão a produzi-las, expondo as mulheres jovens, o voyerismo, celebrando a violência. Por outro lado, tem aquela mídia que expõe a hipocrisia, a mentira, o furto nas altas esferas, os gastos governamentais desnecessários. Existem grandes jornalistas como, por exemplo, Seymour Hersh. Nós precisamos da mídia investigativa, que é tão boa quanto as boas peças teatrais.

As dramaturgas têm alguma coisa especial para dizer pelo fato de serem mulheres, além de serem artistas?

Absolutamente. Existem mais homens dramaturgos. Por quê? Resultado da penetração da arte. As mulheres, há muito, têm sido silenciadas. Para mim, um salto alto de dez centímetros é tão opressivo quanto o véu que algumas mulheres usam, onde somente seus olhos ficam à mostra. A maioria das mulheres não têm consciência de sua opressão. Nós precisamos chegar até elas.

Body & Soul, Capture me, The Crackwalker, Lion in the streets, são algumas de suas peças. Entre todas as suas peças, é possível considerar uma como sua favorita?

Elas são todas favoritas, como filhos.

O que fazer para encorajar as pessoas que não vão ao teatro, para que deem uma chance a si mesmas, frequentando os espetáculos teatrais?

Certamente se o teatro começar na escola, se as pessoas jovens atuarem e escreverem suas próprias peças, elas aprenderão a amar e a desejar o teatro. Infelizmente, existe muita coisa ruim, muitas peças teatrais chatas e confusas. Portanto, as gerações mais jovens necessitarão fazer seu próprio teatro, mais estimulante e de maior relevância.

Você sabe que Palácio do fim foi encenada no Brasil, brilhantemente dirigida por José Wilker. Como descreve a sensação de saber que seu trabalho é apreciado em outro país, muito distante do Canadá? Pensa em conhecer o Brasil?

Isto para mim é sensacional pelas seguintes razões: a)o Brasil tem uma cultura teatral e b) diria que teatro é a base da linguagem. Para mim, é uma honra saber que o meu trabalho, além de sobreviver à tradução, continua efetivo. Imagino o que a brilhante direção trouxe à minha peça, pois teatro é arte colaborativa. Fico admirada por ver como pessoas talentosas enriquecem um texto teatral. O mais próximo que já estive do Brasil foi ter visitado a Argentina, Buenos Aires. Outros turistas me disseram que o Brasil é muito mais divertido e cheio de energia. Da próxima vez, irei para o Brasil.

Seu trabalho pode ser considerado uma metáfora da violência no mundo?

E do humor! Não se esqueça do humor. Se as minhas peças também não fizerem as pessoas rirem, elas não estarão funcionando!

Está trabalhando em algum novo projeto?

Estou. Num texto sobre três gerações de mulheres, a primeira, a segunda e a terceira da onda feminista. Também numa adaptação moderna de Electra, chamada Sirenes. E ainda no projeto de uma peça com dez atores portadores de Síndrome de Down.

Você é uma defensora dos direitos dos animais. O que tem a dizer da opressão humana sobre eles?

Eu não compreendo como pessoas que têm cachorros ou gatos continuam comendo carne, sabendo que a “Fábrica Fazenda”, é uma forma de tortura. Essas pessoas sabem que os animais são capazes de amar e ter compaixão, além de terem discernimento e compreensão. Eu cresci na religião católica, ouvindo os religiosos dizerem que os animais não têm alma. Para mim, isso é uma maneira de justificar nossa brutal exploração animal. As pessoas me perguntam: por que você se preocupa com os animais? Eu diria que se nós achamos que não significa nada cortar a garganta de um porco, enquanto ele grita, então podemos facilmente não nos preocupar com a dor ou sofrimento de qualquer ser humano. Toda compaixão das pessoas que comem carne pelos animais é contraditória. Abram seus olhos. Abram seus ouvidos. Abram seus corações. Você certamente pode viver uma vida saudável sem carne, como milhões de hindus vivem.

Sobre o autor da entrevista: Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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