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Irra!

Tive de ir repescar esta fotografia de 2015, porque já me cansa o chorrilho dos indignados com o facto de se prestar ajuda aos refugiados ucranianos, clamando que “dos outros ninguém quer saber”, “estes só os ajudam porque são brancos”, ou que “do Iraque e da Síria ninguém fala”.

Darlings, eu não sei vocês, mas eu ainda tenho memória de ter ido a manifestações contra a invasão do Iraque, como fui e vou a manifestações contra a invasão na Ucrânia. Em 2015, fui durante 10 meses voluntária no maior campo de acolhimento a refugiados de Berlim (na foto), onde ia duas a três vezes por semana distribuir almoços a quem lá estava, além de organizar recolhas de donativos, distribuir medicamentos e fazer bolos de chocolate aos miúdos que mo pedissem.

Não consegui aprender muita coisa em sírio (vá lá, que obrigada se diz “mérci”, como se fosse francês mas com o acento trocado), em compensação vi e ouvi histórias (algumas contadas em mímica) das quais ainda hoje não consigo falar. E vivi muitas das quais consigo falar e bem, como o sorriso do miúdo afegão que pronunciava o seu nome – Refik – com muitos RRRRRR, quando me viu trazer o bolo de chocolate que lhe fiz, depois de eu lhe ter explicado que o aniversário se celebrava e que podia pedir o que quisesse (“posso pedir o que eu quiser?” – Sim; “mas mesmo tudo?” – Sim; “então quero um bolo de chocolate” – o miúdo estava desde os 7 anos a deambular nas ruas, ia fazer 12 e o seu desejo foi este).

Ou aquele fim de semana em que a cidade de Berlim decidiu agradecer a todos os voluntários pelo seu bom trabalho, e ofereceu dois dias com todos os equipamentos municipais gratuitos; eu fui a uma visita guiada ao Museu de Arte Islâmica, o guia sendo estrangeiro falava um alemão impecável, falou de cada peça como se a conhecesse há séculos e no fim soubemos que até a guerra estalar tinha sido o director do Museu Nacional de Damasco, que tinha atravessado o Mediterrâneo de barco e caminhado a pé até à Alemanha com a mulher e os filhos, e estava ali a fazer aquela visita para nos agradecer ele também.

Não há pachorra para o choradinho dos indignados porque “agora já contam e é por ser racismo”. Não sei onde estavam essas pessoas em 2015 e quejandos. Espero que não tivessem estado a indignar-se no Facebook nem a queixar-se no sofá. Irra!

Ines Thomas Almeida

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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