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Érico Brás: ator-cidadão

Nascido em Salvador, Érico Brás começou a carreira de ator fazendo teatro de rua. Anos mais tarde, passou a integrar o Bando de Teatro Olodum, o que certamente foi decisivo para que vislumbrasse o papel do ator como agente de transformações sociais, tornando-se voz expressiva na defesa dos direitos raciais e religiosos em nosso país. Tornou-se nacionalmente conhecido por sua atuação no seriado Tapas e Beijos, na Tv Globo, além de participações em diversos filmes, com destaque para Quincas Berro d’Água e Ó Pai, Ó.

Nascer na Bahia significou algo especial?

A Bahia é especial para quem nasce nela. A vivência, as experiências artísticas, que de certa forma estão ligadas ao cotidiano, foram fundamentais para mim. Aprendi a ver o ser humano com outro olhar. Não dá para representar a vida das pessoas ou até mesmo ter liberdade para criar pessoas no palco e na tela, sem observá-las, sem entendê-las, sobretudo do ponto de vista sócio-cultural-religioso.

Como foi a experiência de fazer teatro de rua em Salvador?

A rua é o maior laboratório a céu aberto que o ator iniciante pode ter. Não existe curso que o alimente tanto quanto a rua, quando se trata de entender que o ator é o representante das vidas que existem em nós. O ator, por excelência, atravessa épocas e é responsável pela política que impõe ao público, outro dele, no espaço cênico. A rua é a liberdade de ser com o perigo de não ser.

E no Bando de Teatro Olodum?

O Bando foi meu mestre. Ali me entendi como ator-cidadão. Aprendi a ser responsável pelas minhas atuações, porque elas sempre serão o ponto de partida , o ensejo ou o fim para algo ou alguém.

A mudança para o Rio pode ser creditada à dificuldade de sobreviver como ator fora do eixo Rio-SãoPaulo?

Essa dificuldade existe. Ser ator fora desse eixo ainda é muito difícil e, por conta disso, muitos saem sem lenço e sem documento dos seus lugares de origem para lugares com leis e regras diferentes, mas que nem sempre as deixam felizes como artistas. Tenho certeza de que saí na hora certa para buscar novos caminhos no Rio e em São Paulo. Sou inquieto, meio ferro, meio pedra, trovão também. Convivo com os meus estágios, às vezes estranhos a mim mesmo. Porém, aconselho a quem mora fora do eixo Rio-S.Paulo a experimentar o seu fundamento, a sua gênese e o seu colo, para, então, se descolar. Pessoa sem raiz é como planta de plástico num vaso em cima de mesa alheia.

O que falta ao ator negro em nosso país?

Responsabilidade com a própria vida. Às vezes acho a gente tão irresponsável conosco. Sem noção de tempo presente, da terra, ar, mar, das pessoas, do rio, cio…, de si.

Democracia racial é mito ou realidade no Brasil?

Mito. Porque estamos fadados a correr atrás e não ao lado. Quem dirá à frente? Vejo uma utopia brasileira quando se trata de movimentos e pessoas. Como ser insert numa sociedade que não nos chamou para participar de sua organização, como, por exemplo, quando foi forjada nossa Constituição? Na articulação social e política contra o golpe militar e nas manifestações de rua, nas principais capitais do país, em 2013? Como dizer que é democrático um país que tem a lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Africanas nas escolas e as pessoas continuem a se achar no direito de descumpri-la, tendo como argumento a religiosidade, colocando à frente do coletivo a subjetividade? Isso num estado laico. Contradição do mito versus realidade.

Tem sido custoso denunciar o racismo na publicidade brasileira?

Consumimos e não representamos. A classe a não come margarina. Todo mundo come pão. Toda mulher menstrua. Iogurte desnatado gente pobre não gosta. Hidratante barato tem na casa de qualquer assalariado. Rico não anda de ônibus nem de carro popular. Analgésico é para todos. Macaco não é gente. Todo adolescente é teen. Todo homem tem barba. Enfim, se propaganda é mesmo a alma do negócio, me chamem, pois trabalho com isso e represento quem consome.

Sobre oa autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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