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Desabafos

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A imagem foi-se aproximando do lado de dentro do espelho, à medida que eu me fui chegando perto.

Dentro dele, estava um tipo magro, pálido, com duas sombras debaixo dos olhos, qual pisadura nascida de dois murros enraivecidos. Tinha a testa salpicada em gotas de suor.

O olhar era distante, vazio, apático, assustador, como se tivesse aparecido de repente, no segundo andar da janela de uma mansão velha e abandonada, iluminada num repentino relâmpago, numa noite de tempestade.

Se eu, que via este tipo deste lado de cá do espelho, sentia as pernas a fraquejar, o peso do mundo a abater sobre os meus ombros, uma explosão prestes a eclodir dentro do meu cérebro, vazando pelos ouvidos num zumbido irritante, que estava a dar cabo de mim, então o tipo que surgia de dentro do espelho, se calhar era eu mesmo.

Confesso a Deus todo-poderoso, e a vós irmãos, que pequei muitas vezes, não mais do que qualquer outro comum dos mortais, mas isto não é uma confissão, uma revelação de culpa de um ou mais delitos e, ou atos reprováveis, tendo em vista a absolvição.

Mas… confessar o quê?

É antes, um desabafo. Uma revelação de sentimentos.

Sou um desses muitos milhares de rostos que ao longo dos anos tem vagueado por entre as mais diversas multidões, sem despertar grandes atenções, porque como esses muitos outros rostos que dão forma à multidão, o meu é vulgaríssimo. Tão vulgar que nem sequer traz expostas as marcas das muitas atribulações que me assolaram pelo caminho da vida.

Multidões, porque aqui não me refiro só às multidões que são compostas por pessoas, todas aquelas que direta ou indiretamente, mais indiretamente com certeza, foram cruzando o meu caminho, e eu, o caminho delas, mesmo que nem eu nem elas disso nos apercebêssemos.

Multidões, porque aqui me refiro a multidão de silêncios, muitos dos quais albergam barulhos de dor e sofrimento que só eu sei o quão intensos foram. 

Multidões, porque dentro de mim há um enorme mundo ao qual só eu tenho acesso, apesar de quase sempre não o compreender (…)

António Magalhães

(Confissões de um adicto)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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