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Deixem Eça em paz, junto da filha Maria

Por proposta de ilustre deputado, Eça de Queirós vai ser transladado do jazigo de família, para o Panteão Nacional. Honra merecidíssima, que só peca por tardia.

Agora pergunto: se o romancista pudesse ser consultado, o que diria? Ele, que sempre foi tão avesso à sociedade lisboeta, e severo crítico dos políticos de seu tempo.

A transladação irá efectuar-se após 120 anos da sua morte. Porquê?

Talvez a explicação seja pelo facto dos filhos e esposa do romancista terem professado ideologia diferente ao regime da sua época.

Para exemplificar o que disse, lembro, que no dia seguinte ao nascimento de Dona Maria das Dores – neta de Eça, – seu tio dirigiu-se ao registo Civil de chapéu.

Lembraram-lhe que devia descobrir-se em respeito à estátua da República que existia na sala.

Respondeu com sobranceria: “Não conheço essa senhora!”

Foi expulso da repartição, e a menina só foi registada a 19 de Julho de 1918. Por essa e outras atitudes semelhantes dos filhos, principalmente do José Maria, Dona Emília, mulher de Eça foi avisada: se a família não quisesse servir o regime o Estado seria obrigado a retirar-lhe a pensão a que tinha direito, como viúva de diplomata.

A família não gostou da advertência, e expatriou-se, juntamente com outros membros da família do Conde de Resende.

Seria essa a razão de o romancista não ter ido, até agora, para o Panteão?

Não sei. Certo é que 120 anos depois da sua morte, ser-lhe-á feita justiça.

Presentemente repousa junto de “Serra”, que imortalizou, no romance “A Cidade e as Serras”, que Fidelino de Figueiredo admirava e Dona Maria das Dores – Marquesa de Ficalho, – conheceu quando leu as obras do avô.

Os livros de Eça, admiráveis no estilo, encontram-se salpicados de passagens de mau gosto moral. Talvez porque assim queriam os editores.

Sua neta, a Marquesa de Ficalho confessa: que não teve coragem de terminar “ O Crime de Padre Amaro”, e acrescenta na entrevista concedida ao: “Jornal de Gaia” – 19/Set. / 2003:

“ Sempre fui um bocado respeitadora, pelo menos numas coisas, enquanto noutras talvez não seja.”

Dona Emília Cabral – neta do escritor, – declarou numa entrevista que realizei, que o avô não queria que os filhos, mormente a Maria, lessem os romances.

Em carta dirigida a Rodrigues de Freitas, Eça, escrevia: “ Os meus romances importam pouco: está claro que são medíocres; o que importa é o triunfo do Realismo.”

Estou de acordo que o lugar de Eça é o Panteão, ao lado de outros ilustres (serão todos ilustres?); mas arrancá-lo, 120 anos depois, da sepultura de família, da região que tanto amava e sempre foi acarinhado, não será violência a ele, e à terra que o acolheu?

Depois, o grande Camilo – Mestre dos Mestres, – segundo António Feliciano de Castilho e Vasco Botelho de Amaral, e que o grande Unamuno, considerou “ O Amor de Perdição” um dos livros fundamentais da Literatura Ibérica, não se encontra, igualmente, esquecido na capela de amigo, na cidade do Porto?

E tantos e tantos ilustres figuras, de maior grandeza, não estão “abandonados” nos cemitérios deste Portugal?

A homenagem é bonita e justa, mas chega demasiadamente tarde.

Deixem Eça em paz, na sua “Serra”, na tranquilidade do cemitério de Santa Cruz do Douro, junto da querida filha Maria ,que tanto amava, do neto D. Manuel de Castro e de Dona Maria da Graça Salemo. Será essa – a meu ver, – a maior homenagem que se pode fazer ao ilustre escritor e diplomata.

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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