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Cubo luminoso e discriminação em Heathrow: uma perspetiva portuguesa

© DR

Numa manhã cinzenta e ligeiramente húmida de Londres, decidi embarcar numa aventura peculiar. Trazendo comigo uma luminosa e inusitada companheira, uma lâmpada em forma de cubo, dirigi-me ao emblemático Aeroporto de Heathrow. O meu objetivo era simples: desfrutar de um passeio, talvez comprar umas flores na Marks & Spencer’s ou até alugar um carro para apreciar os arredores. No entanto, o que se desenrolou perante mim não poderia estar mais longe da minha conceção de uma calorosa e cosmopolita Inglaterra.

Assim que entrei no aeroporto, fui abordado de forma abrupta e quase teatral pela segurança do local. A minha lâmpada cubística tornou-se o epicentro de um interrogatório invasivo e perplexante. Questões sobre a sua natureza, propósito e a minha própria intenção para ali estar choveram sobre mim como a chuva lá fora. A segurança, com semblante severo e uniformes impecáveis, afirmou que a presença no aeroporto deveria ser justificada por um motivo legítimo.

Num misto de desconcerto e perplexidade, tentei explicar que a minha visita era impulsionada pela necessidade simples de explorar e apreciar os arredores. No entanto, a minha explicação aparentemente não era suficiente para os guardiões da ordem aeroportuária. Fui imediatamente acusado de estar a promover um negócio de venda de lâmpadas cúbicas, algo que estava tão distante da minha realidade quanto a Terra está de Marte.

“Sou um blogger independente!”, gritei em desespero, tentando fazer-me ouvir acima das vozes autoritárias que me rodeavam. Fui informado de que tal facto não era relevante. As palavras “autista” e “diferença” pareciam ecoar silenciosamente no fundo do meu ser, aumentando a minha sensação de desamparo.

A luta para ser compreendido prosseguiu. Tentei explicar que as minhas intenções eram tão inocentes quanto os raios de sol que teimavam em penetrar através das nuvens. Trazia um boné com a inscrição “cubic postcode”, uma expressão que, na minha mente, se assemelhava à unicidade da minha própria identidade. Contudo, as minhas palavras pareciam cair em ouvidos surdos, inatingíveis perante um sistema que procurava enquadrar-me numa narrativa que eu não reconhecia.

“Não são as nossas diferenças que nos dividem. É a nossa incapacidade de reconhecer, aceitar e celebrar essas diferenças”, pensei, parafraseando palavras sábias que uma vez ouvi. No entanto, os sentimentos de discriminação e alienação persistiam, diluindo a essência daquilo que eu, como um português em Londres há mais de uma década, acreditava ser uma sociedade acolhedora e multicultural.

Por que razão, perguntei a mim mesmo, estava a ser excluído e ostracizado num dos locais mais públicos e emblemáticos da cidade? Ser autista apenas acrescentava camadas de complexidade à minha luta por ser compreendido e respeitado. A iminente ameaça de ser escoltado para fora do aeroporto, ou até mesmo de ser confrontado pelas autoridades policiais, pesava sobre mim como uma nuvem negra.

“Será isto discriminação?”, questionei-me incessantemente. Afinal, estar isolado e desamparado num ambiente que se pretendia inclusivo não parecia coincidência. As palavras de Miguel Esteves Cardoso, com a sua sagacidade única, teriam provavelmente ecoado na minha mente, refletindo a estranheza da situação que vivia.

No final, fui forçado a ceder perante as demandas implacáveis da segurança do aeroporto. Tive de mostrar o meu passaporte, como um ato de submissão involuntária, na esperança de que a minha identidade fosse reconhecida e validada. A sensação de derrota misturava-se com a profunda frustração de não ser capaz de transmitir a minha essência àqueles que detinham o poder de decisão.

À medida que saí do aeroporto, a lâmpada cúbica agora parecia um símbolo da minha própria singularidade, um farol de luz que brilhava numa sociedade que por vezes se recusava a ver para lá das aparências. Ao mesmo tempo, uma triste constatação tomava conta de mim – a de que a Inglaterra, que durante anos me acolhera com os braços abertos, tinha agora transformado um espaço público num campo de julgamento e exclusão.

Pedi então, numa tentativa desesperada de compreender a lógica subjacente a estas ações, se no caso de estar à espera de uma figura pública como Justin Bieber ou Cristiano Ronaldo, eu teria de fornecer o número dos seus voos e os respetivos bilhetes. A resposta que recebi mergulhou-me ainda mais na perplexidade, pois fui informado de que ninguém visita o aeroporto por tais razões e que, mesmo que fosse jornalista, teria de me identificar de forma inequívoca. Esta revelação ecoou como um estranho paradoxo, onde o senso comum parecia ter sido trocado por uma narrativa distorcida que não encontrava eco na minha própria compreensão do mundo que me rodeava.

Assim, caro leitor, a minha pergunta mantém-se: teria sido esta experiência uma forma de discriminação ou uma mera coincidência infeliz? Talvez seja necessário um olhar mais profundo para compreender as complexidades da nossa sociedade e as experiências individuais que moldam a nossa percepção. Enquanto isso, continuo a carregar a memória daquele dia, onde um aeroporto se tornou o palco de uma batalha pelo reconhecimento da minha identidade, numa nação que um dia chamei de casa.

Daniel Alexandre

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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