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Crónicas de Lisboa: a última bolacha

A senhora ia a Londres visitar a sua filha, e, já no aeroporto, entrou na “duty free shop” e adquiriu algumas prendas, mas também um pacote de bolacha para comer, mais para afastar o nervosismo de viajar de avião, do que da fome que não sentia, tal o “bichinho que lhe roía na barriga”. Afinal, aquela sensação, misto de ansiedade e medo, era-lhe provocada, porque há muito que não via a sua neta e também, porque pela primeira vez, iria viajar de avião e sozinha. Sentou-se num banco da sala de espera de embarque e abriu o pacote das bolachas que colocou a seu lado. Depois sentou-se, no mesmo banco, uma jovem “teenager” que também iria voar no mesmo avião. A “avozinha”, chamemos-lhe assim, foi retirando, calmamente, as bolachas uma a uma até que, por fim, só restava uma bolacha no pacote. Contudo, no mesmo momento em que a sua “vizinha de banco” ia fazer o mesmo, as mãos quase se tocaram. Surpreendidas, olharam-se e ficaram sem saber o que cada uma faria e mais ainda porque o pacote se tinha esvaziado rapidamente. Então, a jovem, virou-se para a senhora e, com alguma agressividade na voz, disse: – Este pacote de bolachas era meu e a senhora, sem pedir autorização, foi comendo também das minhas bolachas e nem a última quer deixar para mim?- questionou-a. Incrédula, a senhora, com idade para ser sua avó, que até os seus cabelos brancos como a neve demonstravam, virou-se para a jovem e questionou-a: – Tuas, as bolachas? Eu comprei o pacote na loja e conforme fui comendo, verifiquei que tu também ias comendo, mas não me preocupei. Agora que estejas a ser indelicada para comigo e sem teres em consideração a minha idade, deixas-me muito triste. Não esperava isso duma jovem tão bonita como tu. A jovem sentiu-se envergonhada com a reprimenda da senhora e virou a cara para o outro lado do banco onde ambas estavam sentadas. Reparou, então, que o seu pacote de bolachas estava mesmo ali a seu lado e ainda quase cheio. Pensou pegar na sua mochila e fugir dali, tal a sensação tão desagradável que sentia, mas encheu-se de coragem e levantou-se e pegando nas mãos da “avozinha”, disse-lhe: – Sinto-me envergonhada, porque julguei que eu ia comendo as bolachas do meu pacote e, afinal, foi das suas que eu fui comendo sem me aperceber. Por favor aceite as minhas desculpas e perdoe-me. Sei que fui indelicada para com a senhora que até é parecida com a minha avó. Sabe, estou muito ansiosa porque é a primeira vez que vou viajar de avião e, por essa razão e só por essa, reconheço que fui um pouco agressiva no tom de voz que usei para consigo. Podemos ambas agora acabar de comer as bolachas do meu pacote, enquanto esperamos a chamada para o embarque no avião que nos levará ao nosso destino? Por favor, aceite esta minha emenda.

Como é timbre de muitas “avozinhas”, aceitou as desculpas e a oferta e lá comeram todas as bolachas restantes. Afinal, aquele mal-entendido quebrou o gelo entre as duas desconhecidas e então a senhora perguntou: – Por que vais viajar para o Reino Unido? – Vou visitar a minha irmã que após a conclusão dos estudos universitários e apesar de ter frequentado um “bom curso e uma boa Faculdade”, não conseguiu arranjar, no nosso país, uma colocação profissional adequada e ousou emigrar para Londres, respondeu a jovem. – E a senhora, qual o motivo da sua viagem? – inquiriu a jovem. – Eu vou visitar a minha neta que vive em Londres com os pais. A mãe, minha filha, portuguesa, e o pai, um italiano, que se conheceram aquando da frequência do programa Erasmus (sabes a que me refiro, indagou em parêntesis?). Nunca mais se largaram, afinal, um dos bons resultados do programa Erasmus ao facilitar os “casamentos” entre jovens estudantes universitários de vários países e que já gerou mais de um milhão de crianças, desde que começou há mais de trinta anos! Concluída a sua formação, ousaram emigrar para o Reino Unido, o “El dorado” de então. Mas agora, com o “Brexit”, a vida não parece fácil para a tua irmã e para a minha família, bem como para muitos outros imigrantes de várias nacionalidades ali residentes. Aculturados à vida do Reino Unido, sentem receios em regressar a Portugal e aguardam, com expectativa o resultado das negociações entre o Reino Unido e a União Europeia. E tudo isto por causa de políticos incompetentes e irresponsáveis, porque referendaram um assunto de estado. Colocarem as decisões no voto do povo, sem bases mínimas para decidir em consciência na opção, criaram um problema difícil de resolver e que se arrasta há muito.

E assim continuou a “avozinha”, em tom de desabafo e de mágoa, embora, no seu íntimo, desejasse que a filha e a restante família regressassem ao nosso país. Em jeito de conclusão e perante a atenção da jovem companheira de viagem, disse ainda que os políticos britânicos já comeram várias vezes a última bolacha, mas continuam a pedir mais uma e ainda mais uma à UE, isto é, a pedir constantes adiamentos nas negociações e da data final do “Brexit”, porque não sabem como finalizar, a contendo, tamanha monstruosidade em que lançaram o seu “Reino” (Reino Unido). A História, um dia fará justiça desses políticos incompetentes e irresponsáveis que para contentarem os descrentes e antieuropeístas existentes no seu partido e na sociedade do UK, avançaram com um referendo a toda a população do Reino Unido não foram competentes para analisarem as consequências e também uma visão de futuro. Nem os imprescindíveis “trabalhos de casa” conseguiram fazer. Têm não “uma criança nos braços”, mas sim um “monstro”. Que sirva de lição para todos os políticos sem uma visão de estado e de futuro, porque a Política deve ter horizontes alargados também.

E lá embarcaram ambas, a jovem e a “avozinha”, com destino a um futuro incerto, com consequências também para nós portugueses.

Serafim Marques

Economista

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