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As certezas sobre a morte

Na Antiguidade a eutanásia era reconhecida como uma forma de ajudar alguém a ter uma ‘morte boa’. Não só era permitida como era comum. Filósofos da Grécia e da Roma antigas compreendiam, inclusive, o suicídio como uma ‘morte boa’, uma resposta apropriada e racional a diversos males. Mas aqui não se trata de discutir o suicídio, mas tão-somente de reflectir sobre a eutanásia.

No entanto, não deixa de ser contraditório que esses mesmos antigos acompanharam Hipócrates, no século V a.C., e o seu juramento: “Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei (…).” Isto significa que a condenação da eutanásia precede o advento do cristianismo. Ou seja, pretendo vincar que esta questão transcende o argumento básico de apontar o dedo à igreja católica como principal opositora ao procedimento que consiste, de forma intencional, em proporcionar a alguém uma morte sem dor. Aqui, devo dizer que me é muito difícil assimilar a ideia de morte sem dor, pela simples razão de que ela significa ausência de vida (o que, por si só, já é bastante penoso).

A morte por piedade, eutanásia, implica um profundo debate entre os profissionais de saúde e os leigos, como eu. Implica uma discussão serena e séria entre os cidadãos e de cada um consigo mesmo. São diversos os valores em jogo. Valores sociais e religiosos, questões éticas e morais que só a consciência individual pode pesar. Exige a reflexão e o debate existencial sobre o sentido e a dignidade na vida. Requer perceber o jogo das emoções, dos sentimentos e dos corpos que a natureza dispõe.

A eutanásia não diz respeito apenas à morte, mas também à vida. Assenta na ideia de compaixão e de resistência, de fé e de ciência, de autonomia e de dependência. E a questão que se levanta, logo de início, é a eutanásia um direito fundamental? Por outro lado, temos, como sociedade, legitimidade para deixar vidas penduradas numa balança? Estamos a falar da vida de todos? De cada um de nós? Bem sei que nada obriga ao uso dos direitos, mas é a conquista ou a perda desses direitos que nos definem como nação.

Há em mim tantas dúvidas sobre a eutanásia. A nenhuma delas sei responder com segurança e por dificuldade própria. Por saber que o mundo não é a preto e branco e por, dias a fio, ter assistido ao definhamento de quem era vida e que por ela tinha um profundo amor. A limitação está em tomar uma posição definitiva sobre uma questão, que para mim, tem mais a ver com a vida do que com a morte. Há, de alguma maneira, um egoísmo de não querer encontrar o vazio de quem amamos. Até hoje não fui capaz de decidir racionalmente e em consciência a complexidade reflexiva e valorativa inerente à eutanásia. Sei que deixará de ser crime no meu país, Portugal. Até aí estamos de acordo. De resto, não sei. Há portas que se abrem, mas que ainda não sabemos onde vão dar. Surpreende-me observar convicções tão cheias de certezas sobre a morte. Mas serão sempre certezas sobre a morte dos outros. A única coisa que percebemos, e por vezes mal, é da nossa vida.

De igual modo deixo esta reflexão, aberta e em aberto. Apologista de pontos finais, termino, desta vez, com reticências…

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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