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Anti-wokismo e direitas

Nos últimos anos, muito se teorizou sobre a aproximação entre a direita e a extrema-direita. À esquerda mantínhamos uma espécie de superioridade moral e política e a certeza da impermeabilidade à ideologia da extrema-direita. Aos poucos, quando as vozes de comunidades menorizadas subiram de volume e aumentaram em audiência, surgiram fissuras na esquerda, e a mistura com as águas da extrema-direita tornou-se cada vez mais evidente. Vimos esquerda a atacar ativistas antirracistas, a menorizar o problema do racismo, a defender polícias apesar da violência policial comprovada ou a dar as mãos de forma explícita à extrema-direita na crítica ao papão do “identitarismo”, tal como deram as mãos à transfobia e a teorias conspiracionistas, e atacaram o movimento MeToo.

Agora, existe um novo brinquedo que partilham alegremente com a extrema-direita: o anti-“wokismo”, o ex-politicamente correto, mas em versão mais aprimorada. A extrema-direita compreendeu como chamar a si a direita e a esquerda. É tão simples, basta tocar nos bons botões. Já não rende ser racista, machista ou LGBTfóbico de maneira explícita, toca então a promover um universalismo assimilacionista simplista, baseada numa tonta cegueira cromática, para atacar antirracistas. Toca a promover um falso feminismo divisionista para atacar pessoas trans. Toca a instrumentalizar sentimentos de identidade baseados na nostalgia histórica e na sua própria infância ou juventude. Toca a invocar valores essenciais como a liberdade (de expressão, de criação, etc.), igualdade e justiça, mas para os utilizar como ferramentas opressivas ou de manutenção de status quo.

A marosca é tão eficaz que pessoas com todo o capital cultural ou académico para, por exemplo, poder analisar conteúdos duvidosos, falsos, complotistas, etc., caem, no entanto, que nem patinhos. Quer dizer, caem ou querem cair. Tenho dificuldades em acreditar que sejam “somente” idiotas úteis da extrema-direita. Isto somos nós ainda a dar o benefício da dúvida, a não querer acreditar no que temos face a nós. Estas pessoas pensam como a extrema-direita e ponto final. E agora praticam as mesmas manhas. A fronteira entre a ilusão, a má-fé e a mentira é, por vezes, ténue.

Jornais, blogs, páginas, grupos das redes sociais conservadores e de extrema-direita servem agora de “fonte segura” a pessoas que se apresentavam como sendo de esquerda. Mordem o mínimo isco de “casos e casinhos” que lhes servem como prova de que “ai jesus” estamos perto do fim do mundo, um mundo contaminado pelo vírus do fascismo wokista. E é vê-los em pleno surto de pânico woke, todos aflitos e chorosos, “querem roubar-nos os clássicos da infância”, “agora já não se pode dizer ou escrever nada”, “agora já não se pode entrar no mesmo elevador que uma mulher”. Crítica passa a ser censura. A liberdade de expressão passa a ser de sentido único. Quando os vejo chorosos penso no que dizia um humorista, cujo nome esqueci, e que dizia algo do género, esta gente não tem problemas na vida e então inventa vilões, predadores, monstros.

E ali estão, tão fofos, entretidos a “brincar ao medinho”, como se tivessem inveja de quem tem mesmo razões para ter medo. Se a brincadeira não tivesse repercussões na vida de pessoas já em situação vulnerável, se a brincadeira não implicasse mascarar opressores em oprimidos e oprimidos em opressores, era deixá-los divertidos no seu recreio, sujos, na caixa de areia da extrema-direita.

“O opressor faz da sua violência parte do funcionamento da sociedade. Mas a violência do oprimido torna-se disruptiva, e porque é disruptiva é fácil de a reconhecer, e então torna-se o alvo de todos aqueles que na verdade não querem que a sociedade mude.”
Kwame Ture

Luísa Semedo

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