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Alexandre Vidal Porto: prosador contundente e sóbrio

Diplomata, mestre em direito pela Universidade de Harvard, Alexandre Vidal Porto tem três romances publicados, Matias na cidade (2005), Sergio Y. vai à América (2012) e Cloro (2018).

Para William McPherson, editor fundador do suplemento literário do Washington Post, “a linguagem de Alexandre Vidal Porto é clara e brilhante como a luz de certas tardes de outono”. E para Luiz Ruffato “seu romance Sergio Y. vai à América o projeta, pela coragem com que enfrenta um tema-tabu e pela competência narrativa com que o faz, como daqueles raros escritores que se destacam para sempre em nossa estante emotiva.”

Em que altura da vida a descoberta do universo dos livros?

Muito cedo, na infância, aos quatro, cinco anos de idade. Aprendi a ler cedo, em casa e a leitura foi, de longe, a minha principal atividade como criança. Nada me dava mais prazer e eu nunca voltei a ler tanto quanto li na infância. Livros e animais domésticos eram meus brinquedos.

Autores centrais na formação como leitor?

O mais importante de todos é Machado, porque ele chegou muito cedo na minha vida. As minhas primeiras experiências literárias transcendentes aconteceram por intermédio de sua obra. Graciliano Ramos é outro que chegou cedo e ficou comigo. Entre os estrangeiros, tem Guy de Maupassant, Kafka, Pirandello. Outro autor, este, poeta, que eu sinto que me marcou muito, foi Philip Larkin.

Como foi lidar com a homossexualidade no ambiente conservador da diplomacia?

A primeira dificuldade era eu mesmo. Cheguei ao Itamaraty com uma homofobia internalizada muito grande. Negava minha homossexualidade e foi só alguns anos depois que consegui superar o conflito e me aceitar. Na época em que eu iniciei a minha carreira diplomática, havia embaixadores que pediam por escrito que a divisão de pessoal não lhes mandasse funcionários que fossem “mulheres ou solteiros”, que era um eufemismo institucional para homossexuais. Antes disso, ainda, na ditadura militar, vários diplomatas foram afastados em razão de homossexualidade. E essa é uma história que precisa ser mais bem conhecida. No entanto, atualmente, não creio que homossexuais tenham qualquer problema no Itamaraty, com a proteção que o estado brasileiro já provê. Nos círculos intelectuais e diplomáticos há muitos gays. Lembro-me de que, no Japão, meu último posto, os embaixadores da Austrália e da Bélgica, os ministros-conselheiros de Israel e Brasil e os cônsules gerais dos Estados Unidos, em Tóquio e Osaka, eram abertamente gays, sem qualquer problema.

Algum fundo autobiográfico em sua prosa de ficção?

Não, no sentido de que na minha literatura não estou falando sobre mim ou contando histórias que aconteceram comigo. Minha prosa de ficção pertence aos meus personagens e a meus leitores, é neles que recai o foco do meu interesse literário.

Matias na cidade pode ser lido como um libelo ao modelo de casamento ocidental em que continuamos a insistir?

Forçando a barra, digamos, pode sim. Mas a crítica não é ao casamento como instituição, mas aos valores que podem fundamentar essa instituição. Não critico o casamento em si, mas as razões pelas quais algumas pessoas acabam se casando.

Sergio Y. vai à América desnuda não somente os caminhos da sexualidade humana e nossa parca perspectiva deles, mas também a arrogância científica daqueles que se propõem a examiná-la. Foi esse seu objetivo ao escrevê-lo?

Não.  Não foi. Embora muitas pessoas considerem Sergio Y. um livro sobre sexualidade, para mim, ele é muito mais um livro sobre identidade, sobre quem a gente quer ser, se tornar e sobre as possibilidades de que isso aconteça. É também uma história sobre arrogância e vaidade, mas não necessariamente científica, apenas.

O fundamentalismo religioso é o principal causador de impasses na discussão e nos possíveis avanços aos direitos das minorias sexuais?

Sim, é. O fundamentalismo religioso é um câncer para a democracia. Emperra não apenas os direitos das minorias sexuais. Atrapalha o avanço dos direitos individuais como um todo. Os LGBTs podem ser os primeiros, mas as mulheres sofrem, os que professam religiões de matriz africana sofrem, todos os que não rezam pela mesma cartilha são desqualificados. Enfim, o fundamentalismo religioso quer massificação e manipulação. Tudo o que for diverso sofre ataque e ameaça de supressão. É essa uma das origens do totalitarismo. Eu considero o perigo real.

Correto afirmar que o conceito de heteronormatividade está em xeque no mundo moderno?

Sim, está em cheque nas grandes democracias ocidentais, mas não nos esqueçamos de que mais de 70 países ainda criminalizam atos homossexuais e de que em países importantes, como Índia, a situação da mulher é de inferioridade política e social.

O que dizer dos homossexuais com projeção social que preferem o enrustimento à contribuição honesta no debate sobre a homofobia? Não serão também eles homofóbicos?

Nada me provoca maior asco que um homossexual com projeção social e política que prefere “proteger a intimidade”, por meio do anonimato. Acho de um egoísmo e de uma covardia enormes, especialmente em um país como o Brasil, em que muitos homossexuais sofrem violência e ameaças quotidianamente. Um indivíduo com poder ou projeção social que se identifica como homossexual fortalece toda a comunidade. Estamos falando de sofrimento humano.  No entanto, as pessoas têm o direito de não se exporem. E eu de desprezá-las.

A decisão de se afastar do serviço diplomático para escrever seu mais recente romance, Cloro, a que se deveu?

Deveu-se ao fato de eu não conseguir tempo suficiente para minhas atividades diplomáticas,  escritor e colunista da Folha de S. Paulo. Não queria impor ônus ao meu desempenho como diplomata.  Além disso, como funcionário público, eu não conseguiria cumprir a agenda que os lançamentos de Sergio Y. na Europa e nos EUA impuseram.  Resolvi dar um tempo. Quando acabar, volto.  Quanto ao meu novo livro, são as memórias póstumas de um homem gay que resolveu, por conveniência social, casar-se com uma mulher e levar uma vida de mentira. É um tipo humano que todos nós conhecemos. Vamos ver o que ele nos tem a contar.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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