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Adoro Portugal 

© dr

Já passaram vinte e três anos e oito meses que deixei Felgueiras e parti em direção ao Reino Unido.

O Miguel tinha sete anos e meio.

O João tinha três aninhos e meio.

O Zé Pedro ainda nem sequer era nascido. Decidiu nascer em Inglaterra,  e desde esse mágico dia em que eu pela primeira vez, já depois de ter dois filhos, testemunhei ao vivo, in loco, o milagre da vida, esse momento tão especial, tão único e cheio de mistério, que, a verdade seja dita,  desde que com o grugulejar da garganta e dos sons que ela vai produzindo formando palavras, e com o alinhar delas, frases que atentam explicar situações, sentimentos, nenhuma dessas palavras, inventadas e por inventar, jamais conseguiu fazer jus ao momento de testemunhar o milagre da vida.

Desde esse dia já passaram dezanove anos.

Os inícios foram difíceis. E esta afirmação não tem nada de novo, muito menos de especial, para quem, como eu, seja em que parte do planeta for, tenha de recomeçar a sua vida.

Foi difícil para mim, e foi difícil para os meus.

Também eles tiveram de se adaptar a novas realidades.

Foi com o coração nas mãos que deixamos o Miguel pela primeira vez, numa escola em que tudo e todos eram estranhos para ele.

Ele, que depois de ter frequentado um ano e pico de escola em Portugal, de repente vê-se numa escola inglesa, no meio de uma classe onde ninguém falava uma palavra em português, e ele, uma palavra que fosse em inglês.

O João, a primeira vez que foi para a escola, foi em Inglaterra. As primeiras duas semanas chorava todos os dias quando o tínhamos de deixar na classe, onde, segundo as suas próprias palavras, não percebia nada do que aquela burra (professora), (como é inocente a pureza das crianças), dizia.

No último dia da segunda semana disse-lhe…”agora já chega pá, já choraste que chegue” ao que ele respondeu, “hoje talvez ainda vá chorar mais um bocadinho.

E de facto chorou, mas aí já foi mais para cumprir o seu próprio calendário.

Nessa altura, uma das nossas grandes batalhas era aprender inglês no sentido de poder comunicar com as pessoas no dia a dia.

Muito mais facilmente do que eu e a minha Maria, os miúdos lá se adaptaram, com uma rapidez tremenda. 

Quantas vezes nos surpreendemos de maneira orgulhosa, com a capacidade que eles demonstravam na aprendizagem da língua. Orgulhosos sim, mas ao mesmo tempo bem conscientes de que esta capacidade que os miúdos têm em aprender de maneira fácil e rápida, não era uma exclusividade dos nossos filhos, mas uma característica natural das crianças.

Depressa o dia a dia deles, e nosso também, era o de falar bem mais em inglês, (no nosso caso, nos princípios, quase aos tropeções) do que em português.

Mesmo adotando o hábito de falar em português em casa, sempre que possível, (nem sempre era possível falar exclusivamente em português, mesmo sendo dentro da nossa casa, especialmente se tivéssemos convidados que não sabiam comunicar de outra maneira que não fosse em inglês), à medida que os anos foram passando, falar português de maneira fluente, sem tropeçar em palavras inglesas á mistura, tornou-se numa outra espécie de batalha.

Então para os miúdos, que de facto são homens já, a batalha tornou-se bem mais dura do que muita gente possa compreender, por vezes, aceitar.

Porquê…? Bem… eu já há muito tempo que me habituei a ser o português em Inglaterra, e o Inglês em Portugal.

Mas… o que me custa a habituar é às críticas, por vezes até um pouco sarcásticas, daqueles meus conterrâneos, e até familiares, que fazem pressão nos miúdos para que falem exclusivamente em português.

Parecem ter dificuldades em perceber, mesmo aceitar, que para eles falar em português de maneira fluente e sem sotaque, nada tem haver com exibição barata, mas antes com a falta de uns hábitos e a criação de outros.

Veja-se por exemplo o caso do Pedrinho. Nasceu em terras de sua majestade, frequenta a escola inglesa, os seus amigos não sendo todos exclusivamente ingleses, também não são portugueses, logo, todos comunicam entre si na língua, no idioma do país onde vivem. Ou seja…inglês.

O Miguel passa grande parte do dia a comunicar em inglês, a escrever páginas e mais páginas de documentos legais, muitos deles que depois vão às mãos de um juiz, outros que passam pelas mãos de uma equipa legal, do outro lado, envolvendo companhias multinacionais, etc.

Quando, depois de uma visita a familiares, eu lhe chamei a atenção por não ter participado mais na conversa, deixando essa tarefa quase exclusivamente para mim, fazendo-me falar pelos cotovelos, ele respondeu, “Pai, vê se entendes, eu queria mesmo falar mais. E mesmo eu sabendo falar em português, as palavras vêm à minha mente em inglês, e eu não quero que eles pensem que eu me estou a exibir.”

O João, encontrou o amor da sua vida aqui em Inglaterra. O seu filho, meu neto, um dia dirá, “Sou filho de pai português, e mãe inglesa. A família do meu pai é toda portuguesa, e a da minha mãe inglesa.

Será tão difícil de entender que o rapaz em sua casa fale diariamente em inglês? 

Será tão difícil de entender que depois de mais de vinte anos a lidar mais com o idioma inglês, tenha as suas dificuldades em falar fluentemente em português? 

No entanto, quando vão a Portugal, fazem um enorme esforço para falar o mais que lhes é possível, em português.

Tarefa nada fácil uma vez que a maior parte das vezes se lhes é apontado o dedo à medida que se lhes vão pedindo e exigindo, explicações.

“O quê…? Então não sabes falar em português?

Sim sabem, mas percebem bem mais o que se lhes diz em português, do que propriamente eles assim consigam comunicar.

E depois, logo de seguida, o dedo vai dando as suas voltas até encontrar os responsáveis por esta tragédia, os pais…”então vocês não falam português em casa…?”

E depois… aborrece-me que ao invés de apreciarem o esforço que os rapazes fazem em tentar falar o mais que lhes é possível, em português, dadas as obvias circunstâncias, se lhes vão repetindo de maneira, digo-o outra vez, sarcástica, as palavras que eles pronunciam mal.

De facto, muitas vezes esta é também uma espécie de entrave, na tentativa de eles falarem mais em português, pois sabem que vão ser corrigidos de todas as vezes que deveriam dizer a palavra assim, e não assado.

Mas se contássemos a história há mais de 23 anos a esta parte, então eu era também uma dessas pessoas. Eu era também um daqueles que apontava o dedo, que criticava, que movido por outras vozes da murmuração, era bem capaz de culpar os emigrantes pela subida dos preços, especialmente no mês de Agosto, que como todos bem sabem, sempre foi o mês dos emigrantes.

Por isso, isto não é uma critica, pelo menos negativa.

Talvez seja uma chamada de atenção para uma reflexão mais atenta, daquilo que apesar de tudo, é obvio.

Fora estas pequenas ninharias que apesar de tudo são sempre perdoadas, especialmente nos momentos da despedida, “Até ao meu regresso”, Portugal é Portugal.

Um país lindo, imperfeito e maravilhoso ao mesmo tempo.

Se às vezes me esqueço um pouco do quanto é maravilhoso e único o nosso país, e isto porque me irrito com algumas imperfeições provenientes de uma ou outra provocação, é aquele, “Bom Dia” tão caloroso quanto genuíno e repleto de humildade, que vou trocando com os transeuntes à medida que vou passando, mesmo não os conhecendo a eles, e eles não me conhecendo a mim, que me enche o coração de orgulho por, apesar de ser eu um emigrante, sou antes de mais, português. 

No regresso a Inglaterra, perguntei ao Pedrinho, “Gostaste da tua ida a Portugal?”

E quando ele respondeu o que no fundo eu já sabia, “Sim”, acrescentei mais uma pergunta, “Diz-me lá então, quais os negativos e positivos de Portugal, na tua opinião?

Disse, “Bem, negativo só mesmo quando as pessoas parecem ficar chateadas por eu não saber comunicar com elas em bom português. De resto… positivos é quase tudo. Mesmo assim as pessoas são mais simpáticas, o tempo é bem melhor, a comida é bem melhor, sinto-me mais seguro nas ruas, e acima de tudo, há mais vida em Portugal, mais cor, mais luz, mais alegria.”

O que dizer…? É um artista português, e nunca usou ou ouviu falar, na pasta medicinal Couto…

Adoro Portugal.

António Magalhães

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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