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A Teoria de Tudo

Estar ou não estar contigo,
a permissa da inconsistência,
da inviabilidade,
o princípio da incerteza,
e eu não quis ser
como o gato de Schrödinger
ou como a partícula quântica indecisa
que navega entre corpos,
vidas e universos.

O Amor faz crescer, dizem,
mas não deve ser um combate,
esta aclamia, o silêncio, a ausência
é um amordaçar, é dor, é ressaca,
o horizonte aspirando as nuvens,
eu sei que falas mas não te oiço,
e quando escreves eu sei o que sentes,
sei exactamente como bate o teu coração,
mas eu não sou assim, já fui kamikaze,
paraquedista sem vela nem pano
ok, pode até ser, eu sei que sou
um cretino sinistro e profundo
mas não tenho a tua coragem
queria a intravenosa agora,
não o viagra, o valium,
queria dormir e acordar
noutra vida contigo.

Sabes, somos almas velhas
viajando pelas éons e pelos universos
estivemos juntos muitas vezes,
não nos conhecemos, reconhecemo-nos,
sempre soubemos, amámo-nos,
fodemos, cruzámo-nos quase sempre,
sonhámos um com o outro
antes de nos vermos,
fomos mãe, filho, pai, marido,
esposa, amante, amigo,
irmão, incesto.

Habitámos os séculos
antes destes existirem
a seiscentos milhões de anos-luz
daqui, um sopro na imensidão
caminhámos os dois
mão na mão no prado africano
e antes disso nos desertos de Sirius
fomos fauna e flora
nos oceanos de Tiamat
vimos erguerem-se e ruirem
castelos, cidades, dinastias,
impérios, hegemonias, continentes,
em Naacal, Mu, Tsoa, Yonaguni,
Çatalhöyük, Mehrgarh, Ninive, Harappa
nadámos no Tigre, navegámos no Eufrates
casámos pela primeira vez
em Mohenjo-Daro
partilhámos maçãs e laranjas
nos pomares em Kish e Ur
plantámos cravos em Zhenxun e Ani
fomos caçadores em
Teopantecuanitlán e Nok
plantámos rosas em Babilónia,
dessas roseiras ofereci-te
uma cama de pétalas
quando fui rei de Bandiagara
e tu princesa de Sanghá

foste mercador e eu ladra
em Samarcanda,
brincámos com as máquinas de Hiparco
em Alexandria
em Skhodra falaste-me das luas
que viajam, fomos patrícios
em Bracara Augusta e escravos
em Pax Julia, amantes em Teotihuacan,
irmãos de armas em Qin e Shongopavi,
mensageiros de guerra em Timbuktu,
matei de amor por ti e sequestrei-te
pela primeira vez nas margens
do rio salgado de Hohokam,
perdi-me em Novogorod
e tu encontraste-te em Machu Pichu,
várias vidas sem nos cruzarmos,
várias vidas sem sentido.
Errámos pelos eras
crendo que ninguém queria saber de nós
fui ama das meninas de Velasquez,
e tu curtidor de peles de bisonte nas planícies
do que ainda não era o Arizona
atravessámos mil e quinhentas vezes
os mares e os oceanos
em jangadas, canoas, caravelas e galeões,
naufragámos cento e treze vezes,
fomos centuriões, piratas, escravos, marinheiros,
procurei ouro na Califórnia
enquanto tu erguias andaimes para Eiffel,
não nos avistámos nas trincheiras
mas passámos por lá
foste diplomata de Hirohito em Berlim
e eu noiva maori que se suicidou
virgem em Aotearoa.

E o destino e a vida, essas putas cruéis,
continuaram a perseguir-nos
até este tempo improvável,
e desta vez não são os teus pais,
a tua família, a tua casta,
os reis ou os sacerdotes,
os oráculos ou os deuses,
é a puta da geografia.
Os amores fazem crescer,
contudo a minha alma interroga-se,
hoje não há coincidências
o melhor e o pior de mim
vão ser a semente dos próximos séculos
e apesar dos desvios, das derivas,
e de me ter tantas vezes perdido
sinto-me profundamente grato
porque a minha alma está ligada à tua.

Antes queríamos chegar a Deus,
hoje queremos chegar a nós,
a felicidade aqui e não além,
trocámos o agora pela eternidade,
ganhámos ou perdemos humanidade?

JLC06-072018

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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