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A máscara

Muito se tem escrito sobre o vírus que quase tem mais heterónimos do que Fernando Pessoa: “Novo Coronavírus”, “COVID-19”, “SARS-CoV-2”, e eu acrescentaria um novo acrónimo: SRAG-CoV-2, pois o sacana do bicho merece um nome na língua de Camões: “Síndrome Respiratória Aguda Grave – Coronavírus 2”. De uma coisa ninguém pode acusar os cientistas que baptizaram o “bicho”, de não lhe darem um nome sinistro: “SARS-CoV-2”, um acrónimo que soa a ameaça fatal: “Síndrome Respiratória Aguda Grave (que te atira para a) CoV(a) (a ti e a pelo menos mais) 2 (que estejam contigo dependendo, claro está, do R0).

No meio disto tudo estava a pensar dedicar-me ao turismo. Pus-me a pensar no que poderia inovar e assim como há pessoas adeptas do turismo de guerra e que gostam de ir para a Faixa de Gaza para fintarem os obuses israelitas, de um lado e as pedras dos palestinianos, do outro, achei por bem oferecer uma espécie de Turismo Vírico: os turistas são recebidos no Hotel Covid por um recepcionista infectado que começa logo por tossir durante um minuto para cima deles. Como se não bastasse, o rapaz que vai transportar as malas, antes de pegar na bagagem dos hóspedes cospe primeiro para as mãos, esfrega-as bem, como fazia antigamente o meu avô antes de pegar na enxada. Chegados ao quarto, os hóspedes têm à sua espera várias camas hospitalares com os respectivos ventiladores. Aposto que vão viver (ou morrer) uma experiência única! Ah, estou a ler agora que o Turismo de Portugal já teve esta ideia do Turismo Vírico antes de mim: “Selos ‘Clean and Safe’, do Turismo de Portugal, entregues sem inspecção prévia”. Inspecção prévia para quê? Para os senhores inspectores apanharem o coronavírus? Livra!!!

“Ah, seu malandro que estás a brincar com um assunto sério! Então já morreram, aproximadamente, meio milhão de pessoas no mundo inteiro e estás a brincar com isso?” É verdade! Estou a brincar! E pegando nas palavas de Marcel Pagnol, dramaturgo e cineasta francês (e membro da Academia Francesa de Letras): “O riso é uma virtude que Deus deu aos homens para os consolar por serem inteligentes”. Talvez, por isso, o trabalho de um escritor satírico se afigure, a cada dia que passa, mais difícil devido à ditadura do politicamente correcto que está a contaminar a sociedade e que está a atirar para as masmorras da censura a liberdade de expressão: porque hoje em dia, com a ditadura do ‘mainstream’ e do pensamento acrítico, acéfalo, massificado e pronto a consumir, a inteligência e o espírito crítico vão começando a rarear entre os Homens, deixando assim de ser necessário o humor para os consolar por uma coisa que já não possuem.

Hoje seria impensável para mim escrever textos como os que escrevi há doze anos para os jornais com os quais colaborava na altura. Mesmo assim orgulho-me de nunca ter estado alinhado com a cartilha editorial dos jornais para os quais escrevi, razão pela qual ao fim de algum tempo me convidavam, invariavelmente, a sair. A arte e a cultura têm doado à humanidade magnificas obras-primas criadas com o talento e a criatividade de homens e mulheres que, nos dias de hoje, seriam acusados de mil e um “ismos”, como se a arte e a cultura pudessem ser assépticas e isentas de um olhar e de uma alma: o olhar e a alma de quem cria, de quem tem a generosidade de partilhar connosco a sua visão (provocatória, traquinas, engenhosa, amorosa, fingida, astuciosa, invisível, crítica, eu sei lá…) do mundo, pois sem arte e sem cultura o mundo seria um lugar árido e impossível de ser habitado por humanos com consciência do belo, com consciência social, com consciência de que o nosso olhar nada nos revela, que o nosso olhar é apenas um imenso vazio se não usarmos as lentes que a arte e a cultura nos obsequiam, nos oferecem!

E terá a morte sentido de humor? Penso que sim, senão olhe-se para uma caveira, sempre sorridente e bem-disposta por toda a eternidade, a não ser, claro está, que se lhe coloque uma máscara, uso tão habitual nos dias que correm e não só: se recuarmos até ao ‘panthéon’ grego encontramos o sarcástico Momus, que escarnecia, zombava e dizia piadas ao mesmo tempo que empunhava um ceptro de bobo (símbolo da loucura) e usava máscara, isto já naquele tempo. De facto, a máscara resulta muito bem nos sátiros, pois protege-os não só das possíveis infecções por COVID-19 como os protege também daqueles que são alvo das suas piadas ou mesmo das suas entidades patronais que acham que os seus colaboradores não devem fazer piadas com os governantes e a igreja. Eu, por exemplo, só tive problemas com a minha entidade patronal quando tirei a ‘máscara’ de ´dissidências’ e me expus como Daniel Luís. Daí até ao meu despedimento foi um instante e isto sem nunca ter satirizado a minha entidade patronal (uma universidade pública, imagine-se). Moral da história: a máscara fica bem aos sátiros e recomenda-se, quer na Grécia Antiga, quer no Portugal que se acha todo modernaço mas que a nível de mentalidades ainda está ao nível rococó de cão!

Para finalizar esta crónica nada melhor do que fazer um resumo da actual situação epidemiológica em Portugal: “COVID-19 rima com IC19”.

E, agora mesmo mesmo mesmo para terminar, de referir que foi publicado no passado sábado em Portugal o ‘Ranking das Escolas’ deste ano. Mas tendo em conta que, devido à pandemia de COVID, parte significativa do processo de ensino-aprendizagem decorreu em casa, quer de alunos, quer de professores, não teria seria mais lógico publicarem antes o “Ranking dos Quartos, Cozinhas, WC’s e Salas de Estar”?

Daniel Luís

 

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