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A Garibaldi

“Dizia o meu amigo Sousa Machado que ninguém é mais Bracarense do que eu, porque nasci mesmo na freguesia da Sé.”

 

Artur Garibaldi Pereira Braga, nome literário, A. Garibaldi, nasceu em Braga, freguesia da Sé, a 27 de novembro de 1913.

Conheci A. Garibaldi muito antes de ter tido oportunidade de falar com ele.

Eu era uma criança que brincava na rua com os meus amigos, e independentemente da algazarra que as nossas brincadeiras o proporcionassem, havia um momentâneo silêncio que se impunha, sempre que aquele senhor de porte sério, para nós as crianças, a maior parte das vezes, misterioso, passava. O silêncio, não por medo, mas sim por respeito, durava tanto quanto demorasse a passar no nosso território de brincadeira, este senhor de quem ouvíamos falar, e que nos soltava um sorriso discreto, como sendo um homem inteligentíssimo, conhecedor de outros mundos e outras paragens, que dado o contexto do tempo em que estes acontecimentos tiveram lugar, eram para a maioria das pessoas a quem as aventuras de viagens não iam mais longe do que lugares como a Lixa, Refontoura, Airães e outras freguesias apegadas ao concelho de Felgueiras, um autentico mistério de admiração. Admiração pelo que dos dois significados a palavra pode ter. Sentimento de respeito, consideração ou reverencia, ou admiração como ato ou objeto que causa admiração.

Nessa altura o que tínhamos em comum, eu e o senhor A. Garibaldi, era o facto de morarmos na mesma rua.

Eu ficava muitas vezes a olhá-lo pela frincha da cortina da janela de minha casa, às vezes em fins de tarde em que já eu regressado da escola, e ele do seu trabalho, o via passar no seu porte altivo e um  sério ar de inteligência  e sabedoria, num cenário carregado de nuvens cinzentas que marcavam o fim do dia e o inicio da noite, e que, juntamente com aquele típico chapéu de coco preto, uma gabardine e uma pasta preta que sempre transportava debaixo do braço, me levavam a indagar a mim mesmo que mistérios ocultava aquele homem.

Anos mais tarde, influenciado pela confessa admiração do meu amigo Mário Adão Magalhães para com o senhor Garibaldi, comecei a ter mais conhecimento da sua obra poética e jornalística, e os mistérios de criança que a minha mente imaginativa criava em torno da sua figura predominante, foram-se desvendando numa admiração que iria culminar numa entrevista que realizei com este grande homem de letras, que nascendo em Braga, desde muito cedo veio para Felgueiras onde durante mais de vinte anos dirigiu o Jornal de Felgueiras, na altura feito na então tipografia do senhor Nuno. Depois disso criou o seu próprio jornal, A Gazeta de Felgueiras, que levou o nome da terra a muitas localidades do planeta, com maior incidência nos países da América do sul e o Brasil em particular.

Eu realizava e apresentava um programa na Rádio Felgueiras chamado “Música e Letras”, e o programa era dedicado a poetas e escritores portugueses, uns ainda vivos, outros que haviam passado já o caminho do desconhecido. O programa fazia uma breve biografia do autor em questão, falava nas suas obras, e tudo isto era regado com muita música para que as pessoas ficassem em volta do aparelho de rádio sem se aborrecerem com muito paleio.

Quando tive mais conhecimento da obra e da importância de A. Garibaldi, quis sem dúvida alguma fazer um programa dedicado à sua pessoa e à sua obra, e a cereja no topo do bolo seria uma entrevista, que muito gentilmente acedeu a conceder-ma.

Quando cheguei a sua casa, eu e o António Novais, o técnico da Rádio Felgueiras que cuidava da parte técnica na gravação da entrevista, munido de microfone e uma carga de nervos a dar-me um nó no estômago, fui recebido de maneira calorosa, tão calorosa que nem cinco minutos depois de nos sentar-mos na sua salinha rodeada de armários e prateleiras carregadas de livros, o nó desatou-se e o nervosismo desapareceu.

Entre muitas outras coisas, fiquei a saber que A. Garibaldi foi agraciado por muitas academias espalhadas por vários países, e que era bem mais conhecido como homem de letras por outros cantos do mundo, nomeadamente na Galiza, e não tanto pela terra que ele adotou durante grande parte da sua vida, Felgueiras.

Aquando dos seus cinquenta anos de vida literária foi congratulado por uma carta pessoal do bastante conhecido escritor brasileiro, Jorge Amado, autor eternizado por livros que deram novelas, nessa altura bastante famosas em Portugal, como Gabriela Cravo Canela, ou o filme, Dona Flor e os seus dois maridos, protagonizados pela atriz Sónia Braga.

Nesse dia, A. Garibaldi mostrou-me livros que lhe haviam sido oferecidos pessoalmente por escritores e poetas famosos a nível mundial, com dedicatórias pessoais. Alguns deles com quem privava aquando da sua deslocação a Academias onde era premiado e condecorado pelos seus escritos.

Lembro com forte nitidez, apesar dos muitos anos passados e das muitas atribulações em que a minha vida por eles tem passado, a sua voz harmoniosa, quente e a carregar tons de imensa sabedoria, algumas partes dessa entrevista, “As pessoas de Felgueiras, de uma maneira geral, tratam-me bem quando vou na rua. Muitas eu não sei quem são, mas elas, (as pessoas) sabem quem eu sou…de maneiras que me tratam muito bem”.

E havia nesta simplicidade de um homem com um grande cariz literário, uma sinceridade que lhe aferia uma personalidade única de respeito, consideração e admiração por todos quantos o conheciam, a ele, ou à suas obras literárias.

Depois dessa entrevista, passada numa noite de sábado na Rádio Felgueiras, teve a amabilidade de gravar alguns poemas seus que declamou com a mesma sabedoria com que os escrevia.

Um dos que me ficou na memória, que ainda consigo ouvir a sua voz e o tom que a ela incutiu ao declamar o poema, foi “Responso Lírico a Florbela Espanca”,

 

Esta que dorme, Florbela-flor

Asa ou estrela que caiu do céu,

Alma tristinha que sentiu a dor,

Foi coração que por amor se deu (…)

 

O senhor Garibaldi, nome literário, A. Garibaldi, foi um poeta de grande nível, e um homem íntegro e de uma personalidade única.

É claro que deixou imensas saudades. Como prova de gratidão e admiração aqui lhe deixo esta singela homenagem.

E já agora…o resto do Responso Lírico a Florbela Espanca

 

Esta que dorme Florbela-flor

Harpa ou magnólia dos jardins do céu,

Renda tecida no tear do amor

Foi coração que por amor sofreu.

 

Esta que dorme Florbela-flor,

Beijo de luz que mal amanheceu,

Calor do ninho e ninho sem calor,

Foi coração que por amor cresceu.

 

Esta que dorme Florbela-flor,

Seara que em versos de oiro floresceu,

Espargindo perfume ao derredor,

Foi coração que por amor ardeu.

 

Esta que dorme Florbela-flor

Noite onde um sonho azul escureceu,

Corpo de flor, de flor, corpo de flor,

Foi coração que por amor morreu.

 

Este responso lírico foi declamado por A. Garibaldi no túmulo de Florbela Espanca em Vila-Viçosa, Alentejo.

António Magalhães

 

 

 

 

 

 

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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