Com uma curta longevidade e sob o risco iminente de nunca chegar a conhecer os seus efeitos práticos, no passado dia 7 de agosto foi publicada a Lei n.º 35/2024, que vem autorizar o Governo a revogar a Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local.
INTRODUÇÃO
A Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, aprovou diferentes medidas de promoção da habitação. Entre elas, instituiu a Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local (doravante CEAL), com o intuito de onerar a afetação de imóveis para fins de habitação a Alojamento Local e, assim, atenuar a externalidade negativa sentida no mercado habitacional e do respetivo custo social.
A Portaria n.º 455-E/2023 (doravante Portaria), veio, em 29 de dezembro do ano passado, regulamentar e definir o coeficiente de pressão urbanística, constituindo, a par do coeficiente económico, um dos valores a considerar para a aplicação da CEAL.
Contudo, ao fim de meio ano desde a sua implementação, no passado dia 21 de junho, o Parlamento aprovou a Proposta de Lei n.º 4/XVI/1.ª apresentada pelo presente Governo, autorizando-o a pôr fim à CEAL e à fixação do coeficiente de vetustez – número inteiro de anos decorridos desde a data de emissão da licença de utilização, quando exista, ou da data da conclusão das obras de edificação – aplicável aos estabelecimentos de Alojamento Local.
Com o programa “Mais Habitação”, o coeficiente de vetustez, que tende a decair com o passar dos anos, veio a traduzir-se num agravamento na tributação do IMI para os imóveis afetos a Alojamento Local, na medida em que, para estes, o coeficiente de vetustez manter-se-ia sempre o mesmo (que é, por sinal, o valor mais elevado).
Agora e mais recentemente, no passado dia 7 de agosto, foi publicada a Lei n.º 35/2024, que vem materializar as autorizações concedidas ao Governo para a revogação da CEAL, bem como para a fixação do coeficiente de vetustez aplicável aos estabelecimentos de Alojamento Local para efeitos da liquidação de IMI.
O FIM DA CEAL
Com a tomada de posse do novo Governo, algumas das medidas do seu programa passam por reverter ações implementadas pelo pacote legislativo Mais Habitação, do anterior Governo.
Entre essas medidas destaca-se a eliminação da CEAL e do coeficiente de vetustez aplicável aos estabelecimentos de Alojamento Local, mas também da caducidade das licenças anteriores ao programa Mais Habitação, que determinou que os novos registos passavam a ter uma “validade” de cinco anos e as licenças existentes seriam alvo de reapreciação em 2030, ano a partir do qual poderiam ser renovadas por períodos sucessivos de cinco anos.
Com estas decisões, o Executivo pretende apostar na descentralização na gestão das licenças de Alojamento Local e transferir o seu respetivo poder de regulamentação e fiscalização para os municípios, permitindo a estes estabelecer as condições para emissão e registo de novas licenças.
Foi nesse seguimento que, em maio, se procedeu à aprovação, em Conselho de Ministros, da revogação da CEAL e dos limites à duração das licenças de alojamento turístico temporário.
Em junho deste ano, foi aprovada pelo crivo do Parlamento a Proposta de Lei que permite ao Governo concretizar a revogação da CEAL, agora formalizada pela citada Lei n.º 35/2024, de 7 de agosto.
O (ANTERIOR) REGIME DA CEAL
A CEAL veio incidir sobre a afetação de imóveis habitacionais a Alojamento Local, considerando para este efeito as frações autónomas e as partes ou divisões de prédios urbanos suscetíveis de utilização independente de natureza habitacional (devidamente licenciados para este uso).
Contudo, atendendo ao caráter extraordinário desta contribuição, que visava atenuar a externalidade negativa da escassez de imóveis habitacionais, a CEAL não incidia sobre os imóveis localizados nos territórios do interior (identificados nos termos da Portaria n.º 208/2017, de 13 de julho), assim como sobre os imóveis localizados em localidades que demonstrassem uma situação de equilíbrio habitacional (i.e., que preenchessem os requisitos estipulados na Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro).
Eram ainda isentos da CEAL os imóveis que não constituíssem frações autónomas, nem partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, bem como as unidades de Alojamento Local em habitação própria e permanente que não ultrapassassem os 120 dias de exploração durante o ano.
Relativamente ao âmbito de incidência subjetiva, a Portaria introduziu a obrigação de comunicação da lista dos sujeitos passivos (titulares das licenças de exploração dos estabelecimentos de Alojamento Local e, subsidiariamente, dos proprietários dos imóveis que não sejam titulares da licença de exploração) e das licenças de Alojamento Local válidas entre o Turismo de Portugal, I.P., e a Autoridade Tributária e Aduaneira, por meio de protocolo a celebrar entre as entidades.
O COEFICIENTE DE PRESSÃO URBANÍSTICA… E O ECONÓMICO?
O coeficiente de pressão urbanística resultava do quociente entre a variação positiva de renda de referência por metro quadrado, na zona do estabelecimento do Alojamento Local (entre 2015 e o ano anterior ao facto tributário) e a variação positiva de renda de referência por metro quadrado, na zona de mais elevada variação a nível nacional.
Por sua vez, o coeficiente económico seria calculado do quociente entre o rendimento médio anual por quarto apurado pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P. e por referência ao ano anterior ao facto tributário, e a área bruta mínima de um fogo habitacional de tipologia T1 (apurado nos termos do Regulamento Geral das Edificações Urbanas).
Nos termos da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, ambos os referidos coeficientes seriam publicados, anualmente, por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e, os aplicáveis ao ano de 2023, deveriam ser publicados, por força legal, no prazo de 60 dias após a publicação da referida lei.
Contudo, a Portaria veio apenas introduzir, em tabela anexa, os coeficientes de pressão urbanística para cada localidade aplicáveis para o ano de 2023. No que diz respeito ao coeficiente económico, que concorreria, igualmente, para o cálculo da base tributável da CEAL, a Portaria nunca chegou a ser publicada.
Por esse motivo – e sob o fundamento do Governo ter submetido, junto do Parlamento, a referida Proposta de Lei de autorização legislativa (com vista a poder prosseguir com a revogação da CEAL) –, por Despacho n.º 30/2024-XXIV da Secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, foi o prazo para o pagamento desta contribuição prorrogado por 120 dias, impedido a cobrança da CEAL, referente ao ano de 2023, enquanto o diploma estava sujeito a processo de aprovação.
Após a aplicação de cada coeficiente seria determinada a base tributável da CEAL, sobre a qual incidiria a taxa de 15%.
Importa, ainda, destacar que a CEAL incidia mesmo quando da atividade de exploração do alojamento local não se obtivesse rendimento face às despesas suportadas, e não era dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, ainda que tivesse sido contabilizada como gasto do período de tributação.
A PRORROGAÇÃO DO PAGAMENTO
A CEAL deveria ser liquidada e declarada pelo sujeito passivo até o dia 20 de junho do ano seguinte ao facto tributário, sem prejuízo de, em caso de ausência de liquidação, a Autoridade Tributária dispor de competência para liquidar oficiosamente a CEAL, que seria, neste caso, notificada ao proprietário do imóvel inscrito na matriz à data do facto tributário.
Nesse mesmo sentido, o proprietário do imóvel explorado seria subsidiariamente responsável pelo pagamento da CEAL, ainda que este não fosse titular da licença de exploração do estabelecimento de Alojamento Local.
O pagamento da CEAL estava previsto para ocorrer até ao dia 25 de junho do ano seguinte ao facto tributário, sendo que, em caso de mora no pagamento, haveria imediatamente lugar à aplicação de juros de mora.
No entanto, em virtude da prorrogação do prazo para a liquidação e pagamento da CEAL com vista à aprovação do pedido de autorização legislativa que a pudesse revogar, o pagamento não chegou a ser concretizado.
Com as autorizações concedidas na mais recentemente publicada Lei n.º 35/2024, de 7 de agosto, a revogação da CEAL terá efeitos (retroativos) a 31 de dezembro de 2023, garantindo que ninguém venha a pagar, nem liquidar, esta contribuição.
Por agora, resta ao Governo proceder à revogação da CEAL, no prazo de 180 dias, no risco iminente desta nunca chegar a ter quaisquer efeitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A revogação da CEAL vem a representar um “alívio fiscal” significativo para os operadores que atuam neste setor, revertendo uma medida amplamente encarada como uma penalização que causava asfixia financeira às unidades de Alojamento Local – para além da Contribuição Extraordinária, também refletida em encargos fiscais adicionais em sede de IMI, face ao coeficiente de vetustez para os prédios que constituíam estabelecimentos de Alojamento Local.
Não obstante as iniciativas já consumadas, é importante ter em consideração que qualquer medida futura que preveja uma alteração à Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, ainda em vigor, e que não se debruce sobre o sentido e extensão da referida Lei n.º 35/2024, de 7 de agosto, terá de continuar a estar dependente de aprovação parlamentar. E, face à aposta do Executivo em transferir a gestão das licenças de Alojamento Local para os municípios, também de consulta à Associação Nacional de Municípios.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo