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Virga-férrea

Seria provavelmente o mais correto, começar por descrever o que é a violência doméstica, e quais os tipos de violência doméstica, uma vez que muita gente, especialmente quem não experimenta na pele essas situações traumáticas, quase que assume automaticamente que violência doméstica se refere só ao facto de ser o marido a encher a esposa de pancada. Também é. Mas existem outros tipos de violência doméstica, incluindo os tão conhecidos abusos físicos, mas também verbais, emocionais, económicos, religiosos e sexuais. Essa violência domestica, é perpetrada dentro de portas, oculta dos olhares do resto das pessoas, devido ao estigma social que predomina ainda a vida de muitas das vítimas. É um tipo de crime que se oculta, em muitos casos, durante anos a fio, tendo como desfecho, a maior parte das vezes, a morte da vítima, ou, cicatrizes emocionais que nunca mais desaparecerão.

Muito embora sendo um tema do qual, finalmente já se começa a falar mais, e a proclamar e denunciar, por parte de quem é vítima, confesso que nunca me ocorreu debruçar sobre ele, mesmo reconhecendo a sua existência, os malefícios apegados a ela, e as consequências para quem é vítima. E nem sequer me teria lembrado deste tema, não fosse o facto de ter tomado conhecimento, bem recentemente, de três casos, que em comum só têm o sofrimento por parte das vítimas.

Estou a viver em Inglaterra vai para 18 anos. Os meus filhos cresceram aqui, e um deles, o mais novo, até nasceu em terras de sua Majestade. Continuo a ter amigos em Portugal, que muito estimo, mas ao longo destes 18 anos ganhei outras amizades, conheci gente nova. Diz-se em Portugal, que quem vê caras não vê corações. Os antigos diziam-no e sabiam bem o porquê.

Há bem pouco tempo, tomei conhecimento de que, um casal das minhas amizades, que conheço há cerca de 17 anos, para grande surpresa minha, até porque sempre pensei serem um casal quase perfeito, fazem parte desse flagelo social que é a violência doméstica.

Nem sempre as coisas são o que parecem. No caso da violência doméstica, as coisas quase nunca são o que parecem.

Depois de ter tido o conhecimento mais a pormenor, deste caso que me andou quase 17 anos debaixo do nariz, sem que eu me tivesse apercebido, (não fui o único) a conclusão que me foi dada a tirar, foi esta…

Ele, depois de consumado o casamento, ficou com a convicção de que havia adquirido uma mulher para a vida. Uma propriedade sua. No fundo, ele nunca a viu verdadeiramente como uma companheira, para o melhor e para o pior, mas sim uma propriedade que lhe passou a pertencer, por direito do casamento. E no melhor, disse que a amava, foi bom para ela, fez-lhe filhos. No pior, gritou com ela, tratou-a mal verbalmente, tratou-a mal fisicamente. Deu-lhe porrada, porque ela mereceu apesar de tudo. Tinha esse direito. Assim o achou ele.

Desde o primeiro momento que a encheu de pancada, ele ultrapassou um limite que não tem mais retorno. Ele acreditou que o seu abuso é aceitável e de direito. Desde o momento em que ela apanhou e chorou para dentro de si mesma, escondeu de tudo e de todos, passou a ser uma viúva com o marido ainda vivo, dentro de casa, como se de uma assombração se tratasse. O medo, a vergonha, perante o resto da sociedade, que provavelmente como eu pensa que o casal é exemplar, e o facto de querer proteger os filhos, são para ela, motivos mais do que suficientes para sofrer em silêncio.

Ele, automaticamente passou a ser o dominador, e ela a dominada. A fome do poder e do domínio de outro semelhante. Quase como um vicio que não pode ser combatido. Reminiscências de uma espécie de bestas de um passado remoto, que ao que parece, está ligado à evolução da espécie humana. São bestas que se adaptaram à vivencia humana, mas que não deixaram de ser bestas.

O problema maior que ela enfrenta, é o de acreditar que um dia ele vai mudar. Ela não percebeu ainda, que desde o momento em que ele lhe deu pancada pela primeira vez, acordou dentro de si, uma besta que não mais adormecerá. Essa besta, poderá ser a morte dela…

Na mesma semana, um dos meus bons amigos, o Richard, (tenho imensos amigos com o nome de Richard) em conversa de grupo, acabaria por confessar algo, que nem ele mesmo tem algum interesse, de guardar em silêncio. Bem, pelo menos já não tem mais motivos para isso, segundo ele.

Richard conta os dias de uma relação que lhe deixou marcas. Mil duzentos e cinquenta e três dias desde a primeira agressão física. A partir desse dia, os abusos físicos e psicológicos intensificaram-se de tal maneira, que a relação passou a ser, para ele, um inferno à superfície da terra. Seiscentos e quarenta e dois dias, são os dias que Richard conta, desde que, finalmente conseguiu, depois de um processo difícil e tortuoso, ver-se livre, definitivamente, dessa relação destrutiva e malfazeja, na qual passou os maiores tormentos da sua vida. Richard saiu de um pesadelo que deixou sequelas no seu dia a dia, e sabe, que a cura dessas sequelas vai ser bem mais longa do que os dias em que nela se viu preso. Mais do que as feridas físicas, incutidas de maneira cruel e desumana, pelo seu companheiro, que com o tempo se foram curando a si mesmas, ficaram as feridas psicológicas, e essas, se é certo que com o tempo e com os cuidados necessários, poderão ser amenizadas, também não é menos certo que, totalmente não desaparecerão.

Para terminar, outro caso que por acréscimo, ou talvez pela natural curiosidade despertada pelos dois casos anteriores, me foi dado a conhecer.

Um amigo de um amigo meu, adora musica. Um dos seus grandes passatempos, que pratica com paixão, é o de tocar musica, e ensaiar com a sua banda. No entanto, o amigo do meu amigo vive um autêntico inferno com a esposa, que não deixa de lhe azucrinar a cabeça, e quase obstinadamente o leva à insanidade mental, pela constante pressão que faz, sempre que ele tem que ir aos ensaios, ou tocar em espetáculos que a banda vai angariando. Ele não sabe se é os ciúmes desmedidos dela, se a mania de controlar, se a obsessão dominadora, ou qualquer outra atitude, mas sabe que a certa altura do seu casamento, a relação dos dois tornou-se insuportável, e o lar, passou a ser para ele, um lugar de grande desconforto e um lugar de desagrado. Esta obstinada atitude por parte da sua esposa, afeta também as crianças do casal, que, crescendo neste ambiente podem ficar com a imagem de que violência psicológica é normal.

Caso para perguntar… será que alguém tem o direito de fazer a vida do seu semelhante uma miséria, um sofrimento desmedido, que deixa marcas indeléveis para o resto das suas vidas?

A pergunta não é para ser respondida por quem é vitima destes abusos. Mas seria interessante ouvir a resposta de quem provoca esses injustificáveis abusos.

O que faz de nós humanos?

 

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