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Romance descreve dificuldades dos jovens portugueses no Luxemburgo

A escritora luxemburguesa Béatrice Peters, que assina um romance sobre a luta de um lusodescendente para revolucionar o ensino no Luxemburgo, defendeu na quinta-feira que é necessário adaptar a escola aos alunos estrangeiros, tornando-a mais inclusiva.

“Diz-se que temos todos as mesmas oportunidades, mas não é verdade. Já não se escreve a profissão dos pais no boletim escolar, mas vemos a diferença quando os alunos chegam à escola e as dificuldades que têm”, afirmou a escritora, durante um debate sobre a integração dos estrangeiros nas escolas, organizado pela Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes (ASTI), no Luxemburgo.

“Fremde Heimat” (“Pátria Estrangeira”, em português) conta a história de Jo (diminutivo de João), filho de imigrantes portugueses no Luxemburgo e que lidera um partido político para defender a igualdade de oportunidades para os estrangeiros, mas acaba em confrontos com a justiça e os sindicatos de professores.

Segundo a sinopse do moderador do debate, trata-se de “um romance sociológico que aborda de maneira frontal os problemas da discriminação e da igualdade de oportunidades”, através da personagem de “um jovem brilhante de origem portuguesa que é a exceção que confirma a regra”, já que “os alunos portugueses têm menos hipótese de chegar a fazer estudos superiores do que os alunos luxemburgueses”.

Revoltado com a discriminação dos seus compatriotas e dos imigrantes em geral, Jo lança uma consulta na rede social Facebook para saber quantos se sentem discriminados e querem mudar o sistema escolar, mas acaba por ser acusado de incitação ao ódio racial, decidindo então fundar um partido político para defender os direitos dos estrangeiros.

O seu objetivo é diversificar o sistema escolar luxemburguês, em que a alfabetização se faz em alemão, sendo a língua francesa introduzida a partir do terceiro ano e o luxemburguês usado como língua de comunicação na generalidade das aulas, o que torna mais difícil o sucesso dos portugueses.

“Para os portugueses e os romanófonos, aprender alemão é como ‘beber o mar’, é muito difícil”, explicou Béatrice Peters, que foi professora primária durante 20 anos e teve “muitos alunos portugueses”.

No livro, o lusodescendente propõe a criação de escolas públicas segundo o modelo da Escola Europeia, permitindo a escolha dos idiomas e promovendo o uso da língua materna – uma proposta que deixou de ser ficção em 2016 (na mesma altura em que o livro foi publicado), quando o Governo luxemburguês inaugurou uma Escola Internacional em Differdange, mas que ainda só abrange algumas centenas de alunos.

“Foi uma coincidência e fiquei muito feliz, porque pensei ‘talvez não esteja assim tão enganada e as mudanças vão mesmo nesse sentido'”, disse à Lusa a escritora, que admite que o romance é um manifesto pela reforma do ensino.

“Sentia-me revoltada. Via que as crianças chegavam aos seus limites [para conseguir ter sucesso na escola] e nada mudava, ou mudava muito pouco”, explicou à Lusa.

Apesar disso, Béatrice Peters não acredita que o livro venha a influenciar a política educativa: “Não posso mudar o sistema educativo no Luxemburgo. Escrevi um romance, não é uma revolução”.

Para o porta-voz da ASTI, Sérgio Ferreira, o livro “é uma pedrada no charco”, mas “não teve a visibilidade que deveria na sociedade luxemburguesa”, por abordar um tema “que ainda é tabu, e não se quer falar de questões que incomodam”.

“Além do interesse literário, tem um interesse social, e em vésperas de eleições legislativas [agendadas para outubro], achamos que o sistema de ensino deve ser debatido”, afirmou.

As dificuldades dos alunos portugueses no Luxemburgo são uma realidade: continuam a ser uma minoria no secundário clássico, conhecido como a “via rápida para a universidade”, com a maioria (60%) no ensino secundário técnico, de vocação profissional, segundo dados do Ministério da Educação de 2014.

Na maior parte dos casos, o problema é o alemão, mas há também “preconceitos dos professores”, queixou-se uma mãe portuguesa, durante o debate.

O filho, que se chama João, como a personagem principal do livro, “aprendeu luxemburguês em apenas três meses”, mas enfrenta dificuldades na escola, onde é o único português.

“Quando faz os trabalhos de casa mal feitos, o professor diz ‘é porque és preguiçoso’, mas se os fizer bem, diz-lhe ‘está bem feito porque foi a tua mãe que os fez”, contou.

Segundo um estudo da Universidade do Luxemburgo, que a Lusa noticiou em 16 de outubro de 2016, os professores luxemburgueses são influenciados “por preconceitos involuntários” quando os alunos são portugueses, cometendo mais erros com estes na altura de decidir se vão para o técnico ou o clássico.

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