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Portugal perdulário

Nas minhas numerosas viagens a terras de Santa Cruz, sou, por vezes, abordado por amigos, declarando: que os portugueses “ roubaram” o Brasil – Oliveira Martins, diz: que só de Goiás, foram extraídos, cento e cinquenta arrobas de oiro, por ano!: “ O Brasil e as Colónias Portuguesas”. (Para onde foi tanto oiro?!…) Decorridos sessenta anos, o Marquês de Pombal, escreveu: “ Encontrei uma monarquia esgotada de cabedais…”.

Recentemente, ao folhear: “ Cartas Sobre Educ. da Mocidade”, do pedagogo e médico Ribeiro Sanches (1699-1783) – membro da Acad. De S. Petersburgo; da Acad. Real de Ciências de Lisboa; da Real Sociedade de Londres; da Acad. de Ciências de Paris; e Conselheiro da Imperatriz da Rússia, – deparei com curiosa opinião, sobre o desgoverno português.

Por a considerar interessante, e oportuna, vou trasladá-la, sem comentários:

“As riquezas da África e de toda a Índia Oriental (porque do Brasil, excetuando papagaios, alguma madeira e açúcar, não chegava a Portugal outro rendimento) cobriam as praias de Lisboa. Estas imensas riquezas – a maior parte delas precedidas da conquista de mar e terra, outras dos tributos dos régulos conquistados – se distribuíam pelo soberano, pelos fidalgos e valentes soldados e pelos eclesiásticos. Tanta riqueza, nos primeiros, trouxeram o maior luxo que jamais tinha visto Portugal: el-rei D. Manuel, com péssimo conselho, foi o primeiro que deixou o vestido português nas solenidades, vestindo umas vezes à flamenga e outras à francesa. Prodigiosa quantidade de conventos se edificaram de novo por estes anos, de capelas, de oratórios (mas é reparar que se não aumentaram as paróquias). Cresceram as imunidades dos bispos e dos prelados; a sua jurisdição, pelo novo tribunal da Inquisição e poderem por sua ordem, por seus meirinhos e familiares, prender os leigos. Porque esta monarquia, já formada, tinha para fazer os gastos nas suas pretensões.

Mas no reino não se fabricava nenhuma matéria de luxo, nem ainda tudo o necessário para viver, pois no ano de 1519 libertou el-rei D. Manuel os trigos e mais sementes estrangeiras de pagarem direitos de alfândega – indício certo que faltava gente que cultivasse. Era preciso que todas aquelas riquezas fossem parar em Inglaterra, Itália, França e em Flandres, muita parte também em Roma. Como o povo português não entrava na legislação da monarquia gótica, nenhuma parte daquelas riquezas se distribuía por ele; e excetuando alguns palácios em Lisboa, e quintas e coutadas dos arredores, igrejas e conventos, nada ficava em Portugal destas riquezas. Assim vemos ainda o reino sem caminhos, sem pontes, com portos e foz dos rios entupidos – sinal certo que não se espalhavam aquelas riquezas pelos oficiais nem pelos mercadores do reino.

Se el-rei D. João III fosse tão tolerante com os seus súbitos como Carlos V com Castela e Flandres, poderia repartir-se muita parte destas riquezas das Índias por todo o reino. Havia naquele tempo em Lisboa milhares descendência dos judeus batizados, que comerciavam com as nações estrangeiras. A Inquisição, desde o ano de 1544 ou 1545, fez tal estrago naqueles mercadores que a maior parte se foi estabelecer em Anvers, Londres e Hamburgo, e não só levaram cabedais imensos, mas ensinaram aquelas nações, mercadoras já, o comércio da navegação portuguesa. E desta origem veio aquela potente Companhia das Índias da Holanda e a de Inglaterra, fundadas pelos anos de 1600 pouco mais ou menos.

Quando considero as imensas riquezas que chegaram aos portos do reino, quase por oitenta anos, e que todas iam parar nas mãos de quem trabalhava o que despendiam os portugueses, parece-me que era impossível conservar-se Portugal por um século mais, ainda que não viesse a cair (como veio) debaixo do domínio castelhano: porque estas riquezas fizeram os ingleses, os holandeses, os hamburgueses e muita parte da Itália, ricos e potentes, aumentando-se na agricultura, nas artes e nas ciências; e do estado em que estavam antes, bem moderado e mesmo abatido, vieram – depois da descoberta dos dois mundos – poderosos e altivos, a poder molestar os seus descobridores.”

Segundo Ribeiro Sanches, não foi o povo, nem propriamente a nobreza ou o clero, que enriqueceram, mas: “os ingleses, os holandeses, os hamburgueses e parte da Itália“. Estaria Ribeiro Sanches equivocado?

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