Nem os passos dos militares que transportaram a urna se ouviram no meio do silêncio na alameda de entrada do Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, no funeral do antigo Presidente da República Mário Soares.
O silêncio foi quase absoluto, não fossem os “flashes” dos fotógrafos. Ouviu-se a marcha fúnebre, tocada, à porta do cemitério, pela banda do Exército. Ouviu-se uma salva de tiros de espingarda – 60. No Tejo, a essa hora, a corveta “Jacinto Cândido” disparou uma salva de 21 tiros.
Eram 15:50 quando o cortejo chegou ao largo junto ao cemitério. Às 15:58, o sino deu o sinal de entrada da urna de Mário Soares no cemitério. Atrás, vinham os filhos, Isabel e João, os netos, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em representação do Governo.
A urna ficou junto à capela, decorada com uma foto gigante de Mário Soares e uma faixa preta com a frase “Unir os portugueses, servir Portugal”.
Ouve-se então, pelos altifalantes, a voz de Mário Alberto Nobre Lopes Soares, no seu primeiro tempo de antena para as presidenciais de 1986. Foi uma espécie de legado, dito pelo próprio.
“Nasci num país intolerante e pobre, com fome nos campos e nas cidades”, começava por se ouvir, à medida que centenas de pessoas continuavam a entrar no cemitério. A voz lembrava a ditadura e a luta contra “o fascismo”, o 25 de Abril e a libertação do país.
E uma das últimas frases é própria de quem, no dia em que venceu a segunda volta das presidenciais, em 1986, reclamou para si a “vitória da tolerância”, a “vitória da liberdade”: “a verdade não pertence em exclusivo a ninguém e não há nada que substitua a tolerância”.
Estava a terminar a cerimónia. Os militares dobraram a bandeira nacional que cobriu a urna durante todo o cortejo, que foi sucessivamente entregue ao Chefe do Estado das Forças Armadas, general Pina Monteiro, ao Presidente da República e ao filho, João.
Antes, foram devolvidas à família as principais condecorações recebidas pelo histórico socialista durante a sua longa carreira política, tendo cabido aos netos de Soares este momento simbólico.
O cortejo seguiu depois para jazigo da família, onde só deveriam estar os familiares mais próximos. Antes, fez uma breve paragem junto à sepultura de Jaime Cortesão, ao lado de quem Mário Soares esteve, em 1956, no Diretório Democrático-Social, após a rutura com o PCP.
A paragem foi breve. Seguiu-se a última viagem até ao jazigo da família, decorado com 12 rosas amarelas, e mais uma salva de palmas, a derradeira neste dia em que Portugal se despediu de Mário Soares. Eram 16:14.