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O que nos une é mais forte do que o que nos separa

No último Sábado Santo, enquanto esperávamos a Ressurreição de Cristo, tive o enorme gosto de conhecer um “ateu camarada”.

Devem estar a perguntar-se o porquê do título: o que nos une é mais forte do que nos separa. Não sou nem “ateu” nem “camarada”.

O que me fez ir ao lançamento do livro deste senhor foi a sua idade: 88 anos e confesso, o local de apresentação do seu livro: Biblioteca Florbela Espanca em Matosinhos.

Desde miúda que tenho uma enorme curiosidade pela história de vida dos mais velhos. E em miúda gostava de passar tardes nesta biblioteca a ler (ainda no edifício original). Fascinava-me o silêncio daquela casa antiga. E nunca tinha estado no novo edifício, apesar dos seus já 10 anos de existência.

Sempre me interroguei sobre a vida de Florbela Espanca. Tenho 38 anos e penso como pôde ela ter querido viver apenas 36 anos. Porque não procurou ajuda profissional para o seu sofrimento psicológico?

Mas, hoje quero falar-vos deste senhor de 88 anos de vida. E que vida! Chama-se José Salgadinho, é algarvio mas desde 1954 que vive em Matosinhos.

O que mais me impressiona é que embora ateu, foi casado 57 anos com Eunícia até que a morte os separou. E conta, quem os conheceu, que era um casal muito unido e exemplar.

Neste sábado, pude ouvir pela voz da sua sobrinha (uma senhora muito querida que tive a oportunidade de observar como tratava quer o tio quer a respectiva mãe) a descrição do namoro deste casal (confesso que até imaginei a minha sobrinha Margarida daqui a 50 anos a explicar como eu e o tio nos conhecemos):

Dizia a sobrinha do casal Salgadinho mais ou menos assim “Conheceram-se aos 30 anos, não queriam namoricos. Ele sabia que ela era a sua pré-namorada. Ainda não a tinha pedido em namoro mas sentia uma empatia mútua e uma força que comandava a vida de ambos: a racionalidade. Ambos ateus.”

No nosso caso (já para facilitar a vida à minha sobrinha Margarida daqui a 50 anos) seria mais: “Conheceram-se aos 30 anos, queriam casar. Ele sabia que ela era a sua pré-noiva. Ainda não a tinha pedido em casamento mas sentia uma empatia mútua e uma força que comandava a vida de ambos: a fé. Ambos católicos.”

Voltando ao passado sábado, pude também ouvir o testemunho de quem conheceu este casal de “camaradas” que enfatizou as palavras: solidariedade humana.

Pude perceber que este senhor de 88 anos de idade conheceu bem António Aleixo (1899-1949) que dizia:

Uma mosca sem valor
poisa, c’o a mesma alegria,
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.

Pude ouvir sobre quem viveu a ditadura neste Portugal “Quem dá o pão também dá educação mas também dá opressão.” Ainda me revolta quando nos dias de hoje em que a cultura e o conhecimento está acessível a todos, haver tantos que não querem aproveitar.

Pude ouvir que no século XV havia o livro das conocências, um livro de família em que além da fachada se apresentava o interior escondido. Como seria interessante voltar a isto? Por exemplo, um facebook em que além da fachada se apresentava o interior escondido?

Pude ouvir que num homem de partidas e chegadas, o mais importante é a viagem e viver para contá-la. Como percebo isto tão bem!

SOBRE O LIVRO APRESENTADO : O autor José Salgadinho, agora com a idade de 88 anos, decidiu exorcizar o seu passado, reaver um conjunto de factos (este livro é factual) que se formam num elucidário de um tempo, o tempo de uma família, (a sua) um tempo de um país, (o seu) um tempo contado num relógio de sol, um monolito; os segredos que se ocultam dentro dele (as pedras) estão folhas de papel e palavras, onde dançam ponteiros que vagueiam na sombra. José Salgadinho nasceu em 28 de Agosto de 1929 na cidade de Loulé, Algarve. Vive em Matosinhos desde 1954. Formou-se como Engenheiro Técnico Agrário na antiga Escola de Regentes Agrícolas de Évora. Exerceu a sua profissão, durante 42 anos, na Junta Nacional de Frutas, no Porto e em Matosinhos. Editou pela Seda Publicações: Mãos Vazias e outros contos, 2006; Contos do Tempo Vago, 2007; Contos Completos, 2010; Novos contos do Tempo Vago, 2011.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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