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O juiz anacrónico

Um homem agrediu violentamente a mulher e um juiz do Tribunal da Relação do Porto entendeu atenuar a pena pelo facto de a mulher ter um amante. Acresce a isto o facto de o senhor doutor juiz ter usado a Bíblia e o antigo Código Penal como base à argumentação apresentada no acórdão. Foi o suficiente para o país sair do marasmo em que se encontrava desde que os irmãos Pinto bloquearam a ponte 25 de Abril com os seus camiões no célebre episódio de contestação ao aumento das portagens. É verdade! Nem a tragédia dos incêndios conseguiu unir os portugueses em torno de uma causa como o acórdão do juiz Joaquim Neto de Moura. Ele foi nas redes sociais, ele foi nos jornais, ele foi nas praças e por aí fora… parece que Neto de Moura conseguiu o feito de voltar a unir toda uma nação em torno de um grande feito: a luta contra a injustiça e o preconceito em geral… e contra a violência doméstica e o uso da Bíblia e códigos penais obsoletos, em particular.

Afinal onde é que está escrito que uma mulher não pode dar uma facadinha no matrimónio? Ah e tal, está escrito na Bíblia que a mulher adúltera deve ser punida com a morte, diz o senhor doutor juiz. Na Bíblia, Eva também anda praticamente nua e, tirando na praia do Meco, eu que até fui recentemente ao meu oftalmologista, não vejo mulheres a andar por aí só com uma parra a tapar-lhes as vergonhas, pois não senhor doutor juiz? Na Bíblia também está escrito que o Espírito Santo engravidou uma jovenzinha virgem. Ele que experimente fazer isso agora que vai dentro de certezinha absoluta. Os tempos são outros. De certeza que o senhor doutor juiz nunca ouviu falar da aplicação “Tinder”. Esta e outras aplicações existem precisamente para ajudar às facadinhas no matrimónio. Mas se o problema é de exegese e de género, como ficamos em relação ao mandamento “Não cobiçarás a mulher do próximo”? É que, hoje em dia, com as conquistas femininas em torno da igualdade de género, senhor doutor juiz, também muita mulher cobiça o homem da próxima. E então o homem que cobiça o homem do próximo e também aquela mulher que cobiça a mulher da próxima? Ai ai senhor doutor juiz, conforme vê, isto é a prova provada de que a Bíblia está mais do que desatualizada!

Quando Vossa Excelência (isto é para não estar sempre a trata-lo por senhor doutor juiz; gosta, não gosta que o trate por Excelência? Eu sabia que haveria de gostar) refere que o código penal de 1886 “punia com uma pena pouco mais do que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”, esquece todos aqueles homens que, achando sua mulher em adultério acham por bem juntar-se à festa em vez de cometer uma barbárie, substituindo assim rios de sangue por rios de novas sensações. Por outro lado, mais de 100 anos passaram desde o código penal supracitado o que revela ter Vossa Excelência um espírito anacrónico ao mais alto nível, na medida em que denota uma nítida falta de alinhamento com a época em que vive, por um lado, e com os argumentos dos acórdãos que redige, por outro. Ou acaso Vossa Excelência continua a deslocar-se em carroças puxadas a cavalos ou em comboios a vapor? Ou acaso Vossa Excelência continua a comunicar através de telegrafo ou dos rudimentares telefones da época? Pois é… tudo evoluiu menos a sua cabecinha que continua tal como era há um século atrás, ou melhor, há seis séculos. Aliás, o Grande Inquisidor Torquemada não diria melhor perante um caso semelhante: “O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade e a igreja sempre condenaram. A mulher adúltera deve ser punida com a morte, purificada com a fogueira da Santa Inquisição!” Mas isto não dá só para o lado da igreja, pois o Juiz Joaquim Neto de Moura também já foi convidado para presidente honorário do Estado Islâmico. Ao que parece, os membros do Daesh ficaram maravilhados com o seu acórdão, nomeadamente com a sua referência à “lapidação até à morte da mulher adúltera”.

Toda a argumentação presente no acórdão do senhor doutor juiz é, pois, um convite ao arguido a que este termine o trabalho que começou e que deixou incompleto, ou seja, que acabe de uma vez por todas com a vida da “mulher adúltera”. O agressor sabe à partida que tem as costas quentes pois “se é o próprio juiz a dizer que é para matar, então de que é que estou à espera?” – pensará para com a sua moca, revestida a pioneses metálicos, o arguido.

Portugal já tinha uma grave epidemia, se assim lhe pudemos chamar, de episódios de violência doméstica. Agora ficamos a ter um digníssimo caso de imbecilidade “honoris causa”, que irá ficar na história da justiça portuguesa por julgar moralmente uma mulher que apanhou forte e feio com uma moca na cara, no pescoço e no tórax e cujo agressor tem o crime justificado simplesmente por ser um marido traído. Sugiro aos maridos traídos, e ao senhor juiz também (como mentor do grupo), que criem um grupo de maridos traídos, intitulado: “Grupo de maridos traídos de moca na mão”. Sugiro ainda que realizem atividades nas quais deem outro uso à vossa moca que não seja a de agredir mulheres que já não vos querem! Olhem, porque é que não batem com a moca na cabeça uns dos outros? Assim como assim pode ser que ganhem juízo nessa cabeça!

E pronto! Como ontem os relógios atrasaram 60 minutos, estou em crer que o relógio do juiz Neto de Moura atrasou, pelo menos, aí uns 600 anos…

(Texto de humor e ficção)

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