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Le Pen, os Portugueses e a Europa

Uma vitória de Le Pen seria uma tragédia para a França, para a vasta comunidade portuguesa e para a Europa

Depois das vitórias do referendo na Suíça “contra a emigração em massa”, no Reino Unido para sair da União Europeia e de Donald Trump nos Estados Unidos, ninguém
pode ficar descansado a pensar que Marine Le Pen não tem hipótese de ganhar as próximas eleições presidenciais em França. Uma vitória de Le Pen seria uma tragédia para a França, para a vasta comunidade portuguesa de todas as gerações, para a Europa e, por consequência, para o equilíbrio do mundo.

Tal como relativamente a outros populistas e nacionalistas, também a Frente Nacional (FN) apresenta um conjunto de ideias simplistas, tanto em matérias económicas como sociais e, sobretudo, de emigração, a sua maior força de atração. Economicamente são insustentáveis, como muitos especialistas têm referido, particularmente a defesa da saída do euro, que conduziria a uma brutal desvalorização dos rendimentos e dano na competitividade das empresas; ou o aumento do valor das pensões e a redução da idade para atingir a reforma. Já em termos de emigração, as propostas chegam mesmo a ser desumanas,
como o impedimento da reunifi cação familiar ou as expulsões em massa.

Vemos hoje mais claramente como a aventura irresponsável do referendo no Reino Unido atingiu o país, agora mergulhado na incerteza, tenso, dividido, com uma pesada fatura económica às costas e em sério risco de desintegração. Com uma campanha muito emotiva assente no medo da imigração, na recuperação da soberania contra Bruxelas, favorável à saída da União Europeia, a primeira vítima do “Brexit” acabou por ser o próprio Reino Unido, tal como certamente acontecerá com a França, se for pelo mesmo caminho.

A equação é simples. Se Le Pen conseguisse tirar a França da União Europeia, então todos os cidadãos comunitários perderiam os direitos de cidadania que agora têm, passando a ser tão estrangeiros como qualquer cidadão de um país terceiro. E estão nesta situação várias centenas de milhares de portugueses, ou seja, milhares de pais e avós que hoje têm os seus filhos e netos com dupla nacionalidade, criando um conflito insustentável na sociedade francesa.

É a pertença à União Europeia que garante aos cidadãos portugueses em igualdade de circunstâncias os direitos de cidadania assentes na liberdade de residir, de trabalhar
e de ter negócios, bem como de ter direitos políticos, designadamente a possibilidade de votarem e de serem eleitos nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu.
E, claro, como a FN junta as questões de soberania com as securitárias, regressariam as fronteiras e os inerentes constrangimentos burocráticos para pessoas, bens e serviços.
Morria a liberdade de circulação, uma das maiores aquisições civilizacionais do projeto europeu. Pior: a própria União Europeia deixaria de fazer sentido sem a França.

Le Pen advoga precisamente o mesmo que os “brexiteiros”, os suíços de extremadireita ou os trumpistas, que é “a França e os franceses primeiro”, sem se preocuparem
com as consequências económicas e sociais, nem com a destruição do projeto europeu, que nasceu da morte e das ruínas da Segunda Guerra Mundial. É terrível que quem hoje defende o fi m da União Europeia se tenha esquecido que ela foi criada precisamente para que não voltasse a haver guerras no continente e para que os povos pudessem viver e prosperar em paz e cooperação.

Portanto, é paradoxal e incompreensível que haja muitos portugueses ou cidadãos de origem portuguesa em França que aderem à FN, que façam parte das suas listas municipais, que defendam as suas ideias. Parece mesmo que a proximidade da FN dos portugueses tem servido de cortina de fumo para fazerem crer que o partido não tem nada contra os europeus comunitários, para o que contribuiu a projeção que tem o facto de os membros da FN terem como a sua “cantina” um restaurante português mesmo frente à sua sede, em Nanterre.

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Como dizia recentemente o historiador israelita Zeev Sternhell, a verdade é que a FN está pouco preocupada com os direitos fundamentais dos cidadãos. Está é preocupada com os direitos dos franceses e principalmente dos de linhagem, daqueles que se revêm nos mitos de resistência e patriotismo criados em torno de figuras como Vercingétorix, Joana d’Arc, o rei Clovis ou Napoleão.

As ideias da direita extremista estão bem enraizadas em França, mesmo que ao longo da história apenas tenham sido seguidas por minorias, com diferentes manifestações mais ou menos expressivas em diversos períodos do século XX. Mas a sua estrutura ideológica está consolidada e, num tempo de acelerada transformação económica global e de desconfiança em relação à política e às instituições, o nacionalismo que a sustenta emerge facilmente para dar conforto a todos os deserdados da sorte, aos que perderam os empregos e rendimentos ou se sentem inseguros por causa da presença de estrangeiros ou da ameaça terrorista. O extremismo fraturante de Le Pen pai surge agora embrulhado em respeitabilidade pela filha Marine.

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Os líderes da extrema-direita são também eles paradoxais. Nascidos das elites, contestam as elites políticas e económicas em nome de um povo do qual sempre estiveram separados, jurando a sua proteção num mundo fechado e conservador. Querem o regresso das fronteiras, da segurança contra os estrangeiros e dos valores morais algures entre a pátria e a religião. Não hesitam em pôr as pessoas que vivem numa mesma sociedade umas contra as outras, criando assim os bodes expiatórios de que precisam para mobilizar os seus aderentes, puxando pelos seus instintos mais básicos.

Numa palavra, seria muito importante que os portugueses em França não se deixassem iludir com a raposa que é a FN que se esconde por debaixo da pele de cordeiro e que se lembrassem que quem melhor os pode proteger é uma União Europeia forte, aberta, democrática e defensora dos direitos dos cidadãos, na recusa do racismo, da xenofobia e dos atentados aos direitos fundamentais.

 

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